Há cinco anos, o mundo enfrentava uma pandemia. A pobreza e a desigualdade aumentaram, as cadeias de valor globais foram severamente afetadas e, consequência de vários choques associados à guerra na Ucrânia, a inflação subiu. Cinco anos depois, a inflação recuou e as economias estavam a recuperar: os EUA registaram um crescimento do PIB de 2,9% em 2023 e uma estimativa de 2,8% em 2024. Na zona euro, o crescimento foi mais fraco, com 0,4% em 2023 e uma estimativa de 0,8% para 2024, situação relativamente semelhante à do Reino Unido. Estas taxas de crescimento não eram, de forma alguma, espetaculares, mas a economia global estava claramente a recuperar.
No entanto, em poucas semanas, 2025 trouxe mudanças surpreendentes – e desafios – à economia global e aos pressupostos fundamentais que sustentam a economia política mundial desde a Segunda Guerra Mundial. Desde ver os EUA a votar ao lado da Rússia, Bielorrússia e Coreia do Norte contra os seus aliados, a ameaças de anexação de outros territórios e países, guerras comerciais, ameaças de deportações em massa, um corte quase total na ajuda externa dos EUA – incluindo a várias organizações multilaterais – e milhares de funcionários federais despedidos, uma mudança radical de prioridades em torno das alterações climáticas, para mencionar apenas algumas das alterações mais recentes na política dos EUA – tudo isto em menos de três meses. E o resultado económico – o que parecia ser uma perspectiva positiva para a economia mundial e a estabilidade política – mudou radicalmente para pior.
Nos EUA, a economia corre o risco de entrar em recessão. E uma recessão nos EUA irá inevitavelmente perturbar a economia mundial. Como afirma Mark Zandi, economista-chefe da agência de rating Moody’s: “Esta seria uma recessão muito estranha – uma recessão planeada. A economia entrou em 2025 a crescer de forma acelerada, excecionalmente forte, e estamos a empurrá-la para uma crise por causa da política seguida”. Zandi estima o risco de recessão nos EUA atualmente em 60%.
Infelizmente, a instabilidade económica e política tende a continuar, como mostra a guerra comercial emergente. E, claro, a instabilidade económica e a direção negativa estão a ser acompanhadas por desafios geopolíticos e de segurança nunca antes vistos — desde os EUA parecerem afastar-se da Ucrânia e aproximarem-se da Rússia, às questões levantadas pelo episódio do Signal envolvendo operações norte-americanas no Iémen.
Neste contexto, a Europa e o Reino Unido tomaram medidas orçamentais que teriam sido consideradas radicais até há pouco tempo: a Comissão Europeia propôs a iniciativa ReArm, composta essencialmente por empréstimos da UE; na Alemanha foi feito um acordo político histórico que implica que os gastos com defesa acima de 1% do PIB da Alemanha fiquem efetivamente isentos do "travão da dívida". No Reino Unido, o Primeiro-Ministro Keir Starmer confirmou que os gastos com defesa subirão para 2,5% do PIB até 2027.
A direção é óbvia — uma Europa mais unida em matéria de política de segurança, defesa e política económica. Já é claro que os gastos em equipamento militar estão a mudar na UE: alguns países já estão a reconsiderar a compra do F-35 olhando para o caça sueco Saab Gripen, o francês Dassault Rafale e o Eurofighter Typhoon como potenciais alternativas.
A Europa e outros países da NATO já estão a diversificar os seus parceiros comerciais. A UE e o México concluíram negociações para modernizar o seu acordo comercial. O mesmo aconteceu com o Chile. A UE concluiu um acordo comercial com o Mercosul, após 25 anos de negociações. Além disso, um acordo comercial entre a UE e a Índia deverá ser concluído até ao final deste ano. A UE também está a acelerar negociações com a Indonésia e as Filipinas e retomou conversações com a Malásia. O Canadá concluiu acordos com a Indonésia e o Equador.
Estes acordos comerciais bilaterais são importantes, mas apenas uma parte da história: No centro do desafio está a questão de saber se a Europa e o seu continente vizinho – África – conseguem cooperar e prosperar em conjunto. O crescimento económico e a mitigação e adaptação às alterações climáticas em África estão a tornar-se centrais para o futuro económico e político da Europa. África e a UE precisam de aprofundar a sua cooperação. Além disso, África é fundamental para a UE se esta quiser alcançar a neutralidade carbónica até 2050, em grande parte devido às terras raras e às matérias primas críticas.
Mas segurança é mais do que armamento e prosperidade é mais do que política comercial. É claro para nós que o declínio da estabilidade política na Europa se deve, em grande parte, à austeridade e aos ataques ao Estado Social e aos direitos dos trabalhadores que a acompanharam. E sobre todos estes acontecimentos paira a ameaça existencial das alterações climáticas. Reforçar o Estado Social e recolocar os trabalhadores no centro da economia política europeia é um pré-requisito para a coesão política que deve ser a base tanto de uma política de segurança europeia eficaz como de uma resposta europeia robusta à ameaça climática.
A Europa também tem de reconhecer que é necessária uma resposta mais enérgica a todos os níveis em relação aos bens públicos como a habitação e a saúde. Esta é uma das principais razões da insatisfação pública em torno da própria democracia.
Dado o recuo dos EUA na política de desenvolvimento e o abandono recente da sua liderança climática, a UE tem inevitavelmente de se assumir para preencher o vazio de liderança a nível global. Isso exige simplificar e reforçar as atuais políticas de desenvolvimento da Europa. O Banco Europeu de Investimento (BEI) e outros bancos de desenvolvimento são importantes, mas dependem de ratings AAA, o que os impede de financiar projetos com maior risco associado. Neste âmbito, a UE e o Reino Unido devem desenvolver ainda mais as suas relações com grandes mercados, como a Índia, Indonésia, Brasil e África do Sul.
A retirada dos EUA dos compromissos climáticos, o desmantelamento da USAID e respectivas implicações mundiais, a posição dos EUA relativamente ao Canadá, Groenlândia e ao Canal do Panamá, bem como as mudanças constantes na política em relação à invasão da Ucrânia pela Rússia e ao conflito israelo-palestiniano, conduzirão inevitavelmente a mudanças geopolíticas. Estes acontecimentos colocam claramente desafios reais ao modelo social europeu e igualmente ao papel da Europa no mundo. Este é o momento para reforçar a defesa, mas também para manter o dinamismo do investimento verde e digital, e ser mais ambicioso no que diz respeito ao papel da Europa no mundo.
Escrevemos como europeus e americanos comprometidos com a aliança transatlântica. Mas escrevemos também como pessoas comprometidas em defender a democracia, agir com urgência na descarbonização perante a ameaça das alterações climáticas e abordar as desigualdades estruturais na economia global que agravam estes desafios. É evidente que esta incerteza política significa que a liderança estratégica europeia nestas questões globais deixou de ser uma opção.
Ironia das ironias, o Presidente Trump poderá acabar por contribuir para o reforço e unificação política da Europa, e para um mundo geopoliticamente mais equilibrado. Mas é imperativo que os líderes progressistas de ambos os lados do Atlântico lancem as bases do que deve tornar-se uma nova aliança transatlântica progressista, baseada numa aliança politicamente fiável e economicamente dinâmica que apoie níveis mais elevados de justiça económica e social e segurança tanto na Europa como na América – e na sociedade global como um todo. Trump partirá, mas a aliança transatlântica permanecerá. Não há regresso possível à combinação de financeirização e austeridade que tanto mal causou à democracia. O caminho para um multilateralismo eficaz e sustentável deve recuperar os valores originais que motivaram a criação das instituições de Bretton Woods e a própria UE — criar um quadro de prosperidade partilhada que possa sustentar eficazmente uma governação democrática estável e eficaz. Sem isso, não existirá um verdadeiro multilateralismo.
- Jesus Caldera, antigo ministro dos Assuntos Sociais de Espanha
- Stefan Collignon, economista, London School of Economics e Universidade de Harvard, Alemanha
- Hans Eichel, antigo ministro federal das Finanças da Alemanha e cofundador do G20
- Nicolas Schmit, antigo Comissário Europeu para o Emprego e os Assuntos Sociais, antigo ministro do Trabalho, Luxemburgo
- Damon Silvers, professor convidado no University College London, antigo diretor de políticas e conselheiro especial da AFL-CIO (confederação sindical americana)
- Lord Stewart Wood, membro do partido trabalhista na Câmara dos Lordes, Reino Unido
- Hugo Zsolt de Sousa, economista, Portugal