A trumpologia é uma ciência inútil
O mundo encheu-se de trumpólogos. Gente que tenta adivinhar, interpretar e sonhar o que Donald Trump quer de facto dizer, fazer ou alcançar. É um esforço inglório. O que importa são os factos. E responder-lhes
Consultor em Assuntos Europeus
O mundo encheu-se de trumpólogos. Gente que tenta adivinhar, interpretar e sonhar o que Donald Trump quer de facto dizer, fazer ou alcançar. É um esforço inglório. O que importa são os factos. E responder-lhes
De cada vez que Donald Trump fala, escreve ou GRITA (em letras maiúsculas na sua rede social privada), segue-se um cortejo de intérpretes a tentar descortinar o sentido e significado exacto da comunicação do presidente dos Estados Unidos da América. A trumpologia é a ciência que consiste em tentar adivinhar o que Trump verdadeiramente quer dizer quando diz o que diz da maneira que diz.
Em cada frase, discurso ou política do presidente dos Estados Unidos da América os trumpólogos acreditam que há muito mais do que parece. Mas o seu acordo termina aí. Como em todas as ciências de adivinhação, e em algumas mais rigorosas também, o espaço para a criatividade é imenso e a doutrina divide-se sempre.
Quando Trump ameaça invadir a Gronelândia, há os que explicam que o faz por causa dos minerais escondidos debaixo do gelo, os que têm a certeza de que o que importa são as rotas navais, civis e militares, que o degelo abre, e os que vêm ali uma ambição de ficar para a História como um dos poucos presidentes que conquistou território. E até há quem acredite que é por causa do frio. Para guardar ali data centers, que aquecem que se farta, sem enormes custos para os arrefecer e sem os dados saírem de território americano.
Quando, sobre a invasão russa da Ucrânia, parece claudicar perante Vladimir Putin, humilhar Zelensky, contribuir para um sucesso militar russo nos dias em que suspendeu a partilha de inteligência com os ucranianos, e ignora os europeus nas negociações de “paz”, há quem garanta que está verdadeiramente empenhado na paz, quem jure que o que quer é não gastar dinheiro com a guerra, quem explique que está na mão de Putin por causa de uma amizade sincera ou algum escândalo que o presidente russo conhece (também há trumpologia anti-trump), quem assegure que é uma reinvenção da estratégia de Kissinger, agora para separar Moscovo de Pequim, quem saiba que é tudo para ganhar acesso a supostas riquezas na Ucrânia, e quem ache que Donald sonha com um Prémio Nobel da Paz ao lado da mesinha de cabeceira.
Quando anuncia um aumento brutal de tarifas (taxas aduaneiras), há os que explicam que na verdade Trump quer construir um bloco de comércio livre com os supostos aliados ocidentais e isto é só para fazer pressão. A sua famosa “art of the deal”. Musk, por exemplo, diz que sim. Também há os que sabem que o que o presidente quer é aumentar receitas disfarçadas de imposições aos malandros dos estrangeiros que abusam da América (mas pagos pelos consumidores americanos), e assim reverter algum do desequilíbrio do enorme déficit americano, e os que são sinceros defensores do fim do comércio livre e acreditam que Trump também é.
Quando lança Musk numa cruzada contra a despesa pública e as supostas fraudes no sistema, a trumpologia descobre razões bem elaboradas. Ora é porque de facto há muita despesa errada, ou é porque quer poupar dinheiro a sério e isso só se faz assim, à bruta e sem rigor, ou é porque quer destruir a máquina de poder existente, afastar o “deep state” que o limitou no seu anterior mandato, ou é para atacar a agenda woke, supostamente disseminada por todas estas agências, incluindo as que pesquisam sobre cancro e as que fazem cooperação internacional (e, por caminho, recolhem inteligência).
Quando anuncia reduções de 8% nas despesas no Pentágono, quer asfixiar o poder do complexo militar industrial americano, quer apenas reduzir despesa pública (obrigando os “aliados” a gastar mais com defesa para comprarem à indústria americana o que os Estados Unidos passarem a poupar), ou na verdade depois vais investir, mas escolhe ele em quê, entretanto suspendendo o que esteja em curso. E a lista de teses interpretativas prossegue,
Sejam quais forem a verdadeiras motivações do presidente americano e o que dizem os oráculos de Trump, apesar da interpretações e teses explicativas serem incompatíveis, as suas políticas são suficientemente claras em alguns aspectos. E isso deveria chegar para agir.
Trump pôs termo à ordem internacional – americana - que saiu vencedora do fim da Guerra Fria. Está contra a globalização e o comércio livre global. Quer reindustrializar a América e tem uma agenda proteccionista. Não está preocupado em manter alianças com os governos dos países tradicionalmente aliados dos Estados Unidos, particularmente a Europa. Não pretende garantir a segurança do Ocidente assumindo parte da defesa dos europeus e não acredita que (esta) Europa e (estes) Estados Unidos partilhem valores que mereçam defender. Isto é o que é. E é perante isto que os decisores, em particular e para o que nos interessa os decisores europeus, têm de reagir. Curiosamente, é sobretudo isso que está a acontecer. Apesar de algumas divergências e hesitações, a maioria das lideranças políticas europeias interpretou bem os riscos e não perdeu tempo com as adjectivações. Falta ver se será consequente. O que é bem mais difícil.
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