A ética só determina o voto quando uma crise nos tira conforto. Explicamos a decadência dos regimes com a degenerescência ética das elites. Mas só reparamos na ética quando os regimes decaem. E quando caem de vez, também não é a ética que preocupa a maioria. Nem a liberdade. É a ordem
Sempre que a imagem da democracia se degrada repete-se o mantra: é por coisas destas que a extrema-direita cresce. A ideia não tem, no entanto, qualquer base empírica. Não há evidência que a corrupção esteja na origem do crescimento da extrema-direita. Se assim fosse, teríamos de concluir que os eleitores do Chega são mais exigentes que os restantes, quando, pelo contrário, é o partido que menos sofre com os seus próprios casos. Segundo um estudo de 2021 de Pedro Magalhães e Luís Sousa, as razões para os eleitores votarem em políticos envolvidos em casos de corrupção (no sentido lato que dão ao termo, que vai muito para lá da tipificação penal) são, por esta ordem: ser da mesma cor política, descrer na justiça, “rouba, mas faz”, a gratidão, são todos corruptos e, no fim, a desvalorização da integridade. Curiosamente, por razões que seria interessante estudar, todas estas justificações são menos aceites pelos eleitores de esquerda do que pelos de direita. Que o diga Ricardo Robles, que se teve de demitir por um caso bem menos problemático do que os do primeiro-ministro ou dos deputados do Chega. A hipocrisia é mais mortal para a esquerda porque ela é moralista? Há discurso mais carregado de julgamentos morais do que o do Chega? E, no entanto, é um partido “teflon”: nada se lhe agarra.
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