A seguir, a eleição de Trump, as ameaças sobre a Gronelândia, os discursos de Vance, a intromissão nas eleições europeias e a traição à Ucrânia. Os europeus, pelo menos a maioria dos seus líderes, passaram de confiar nos Estados Unidos para duvidar da América, e da dúvida para a suspeita de que a América de Trump tem de ser tratada como uma ameaça.
O resultado é a transformação mais acelerada do ambiente político europeu de que haverá memória, pelo menos, nos últimos 20 anos. Nunca tantas opiniões mudaram tanto, e tanto no mesmo o sentido, num tão curto espaço de tempo. E muitas com consequências.
Para começar, promete-se simplificação. Apesar de as empresas se queixaram de excesso de regulação, a Comissão só irá apresentar propostas para simplificar as obrigações de reporte e a carga administrativa. Nada de desregular, dizem.
Até ao final do ano, sairá uma proposta para iniciar a discussão sobre o novo quadro financeiros (fundos) plurianual. O mais provável é que se proponha aos Estados membros menos foco na coesão como a conhecemos, em troca de uma utilização nacional mais flexível dos fundos europeus, e que possa ser mais focada em algumas políticas e objectivos. E também se fala de rever os fundos da inovação, preferindo a inovação disruptiva.
Muito tem vindo a mudar nas regras e decisões sobre concorrência. E vai continuar. Como pede Draghi no seu relatório, deve haver novos critérios para avaliar a concorrência, em geral, e as fusões em particular.
Depois das manifestações dos agricultores, antes das eleições europeias, e das (baixas) votações em partidos ecologistas, e das queixas das indústrias com os custos da transição, admite-se voltar atrás nas políticas ambientais com consequência industrial. Ou melhor, volta-se mesmo atrás, mas ninguém diz que o está a fazer. E algumas empresas que reorientaram os seus investimentos, agora queixam-se da falta de consistência das políticas europeias.
A transformação da relação com os Estado Unidos da América está a fazer muita gente repensar a relação, eventualmente considerar uma aproximação, com a China. Ou, pelo menos, não afastar tanto. Está em curso uma revisão da relação com a China, até agora alinhada com e pelos Estados Unidos.
Para facilitar a vida a algumas empresas, discute-se a ideia de um 28º Regime legal para empresas inovadoras, que assim dependeriam da Lei da UE e não da legislação nacional, passando a ter acesso a um verdadeiro mercado único integrado. Os Estados, naturalmente, desconfiam.
A mesma Comissão Europeia, alinhada pelo relatório Draghi, considera a escolha de algumas indústrias como prioritárias. Como a clean tech, ou promover plataformas digitais europeias. Uma espécie de intervencionismo de mercado.
Outra coisa que muda é o comércio internacional. Até a Direcção Geral que trata desses temas passou a chamar-se do Comércio e da Segurança Económica. Os acordos comerciais estão cada vez mais focados em mercados com matérias primas ou produtos que fazem falta às indústrias europeias, e menos abertos para produtos que competem com indústrias que a Europa teme deixar de ter, como a automóvel.
Depois de já se ter feito o AI Act, será necessário mexer em alguma coisa? Para apertar ou relaxar regulação? Seja com for, conte-se com muitos Actos Delegados, que praticamente não têm fiscalização útil, para os “detalhes” que não são detalhes nenhuns.
Na defesa, a semana passada, disse-se o que os franceses há muito dizem: dinheiro europeu, algum, pelo menos, específica e exclusivamente para as indústrias de defesa europeias.
Tudo isto são propostas. Um dos problemas da Europa é que os sentimentos mudam muito mais depressa do que as políticas. O relatório Draghi, cheio de medidas urgentes, foi publicado há mais de 6 meses. O relatório Letta, saiu há praticamente um ano. Entretanto, houve eleições, nomeações de Von der Leyen e Costa, posse de Deputados, e depois de Comissários. E houve vários documentos, da Bússola para a Competitividade ao programa de trabalho da Comissão Europeia para 2025. E, no entanto, ainda estamos longe de ver as mudanças.
Ainda assim, seria muito pouco sensato continuarmos a não discutir nada disto que, recordando o que disse VdL, vai condicionar o lugar da Europa no mundo nos próximos cinquenta anos. E, por arrastamento, o de Portugal.