Opinião

Aeroporto de Cascais, um projeto inexplicável

Aeroporto de Cascais, um projeto inexplicável

José Madeira

Diretor executivo da International Flight Academy

Apenas conseguiu despertar as críticas dos cidadãos, a reação negativa de diversas associações e de todos os operadores do aeródromo

Em ano de eleições autárquicas, eleições essas nas quais o PSD apresentará em Cascais um candidato com reduzida notoriedade junto dos munícipes, seria de esperar que do lado do atual executivo autárquico houvesse especial cuidado na forma como gere as expectativas dos habitantes do concelho, que por razões diversas que não cabem no teor deste artigo, já estiveram bem mais satisfeitos do que estão.

No entanto, a forma como tem sido gerido o projeto para o anunciado novo Aeroporto de Cascais - do qual Carlos Carreiras e a sua equipa têm feito a principal bandeira - aponta em sentido contrário; o projeto, até agora, apenas conseguiu despertar as críticas dos cidadãos, a reação negativa de diversas associações e de todos os operadores do aeródromo, para além do ceticismo dos investidores.

É verdade que Carlos Carreiras já confundiu publicamente o ruído e a poluição provocada por um avião que consome toneladas de combustível/hora com um avião que gasta 20 litros, demonstrando assim o seu profundo desconhecimento sobre o setor da aviação. Ninguém tem de saber de tudo, mas um decisor público tem necessariamente que ter ao seu lado quem o aconselhe devidamente, especialmente num projeto de concessão que representa a “alienação” a privados de uma infraestrutura com o relevo e dimensão deste aeródromo, e por dezenas de anos.

Se o fizesse, teria necessariamente que concluir que toda esta propalada (mas nada concretizada) concessão do aeródromo assenta numa enorme falta de sustentabilidade de todo o projeto, trocando o certo (um aeródromo de aviação geral que funciona equilibrado há dezenas de anos), pelo incerto.

Como cascalense e responsável por uma empresa que há quase meio século contribui para a formação no setor da aeronáutica a partir do aeródromo de Tires, surge-me como intrigante e só podendo ser fruto de má ponderação técnica (mas também política quando ao desígnio de uma infraestrutura pública como esta), que o presidente Carlos Carreiras tenha sido levado a anunciar, com pompa e circunstância, algo que tem tudo para correr mal e que visa apenas privilegiar alguns poucos utilizadores de jatos executivos, prejudicando os muitos munícipes da zona envolvente do aeródromo.

Como titulou recentemente um outro órgão de comunicação social, há uma ameaça à qualidade de vida a pairar sobre as cabeças de 60 mil habitantes. Em complemento, a anunciada ligação à Universidade Nova, sem qualquer concretização clara e transparente, surge apenas como um argumento de embelezamento para “embrulhar” a concessão, acenando-se com a construção de um centro de congressos e de um hotel de luxo, num embrulho de credibilidade e inovação para desviar atenções.

Se a ideia é ter um projeto de ensino, porque não se convidaram as escolas que prestam formação em todas as áreas (pilotos, mecânicos, cabin crew) e já estão no local? Qual o critério (e a sua legalidade) para se optar por esta ou aquela instituição num projeto público como este?

Não me cabe conhecer a razão desta urgência na agenda de Carlos Carreiras, que o leva a envolver-se diretamente e de forma tão decidida e impetuosa - na reta final do seu último mandato - num processo nada transparente e evidentemente polémico.

Desde o início, Carlos Carreiras fez segredo dos detalhes deste dossiê, alegando “razões estratégicas” que são obviamente inaceitáveis (num estado de direito, o escrutínio público é saudável e exigível), tendo mesmo o presidente de Câmara tido o desplante de “curto-circuitar” o processo normal de discussão em reunião camarária. Mas há respostas que se pedem para várias perguntas relevantes, sejam as já colocadas acima ou, ainda, sobre o racional do investimento público e a recuperação dos pesados encargos financeiros associados.

Mais ainda: Com a construção do novo aeroporto e com as limitações operacionais enormes (as principais, inultrapassáveis) que existem neste aeródromo, qual é ao certo o plano do atual executivo cascalense, para além de beneficiar alguns privilegiados em detrimento dos munícipes? Pelos vistos, o seu voto não conta e o presidente da Câmara Municipal de Cascais não parece minimamente interessado na população de São Domingos de Rana ou no tecido empresarial que ali cria valor e emprego, sacrificando milhares de pessoas e milhões de euros.

É uma estranha aposta política, esta do PSD em Cascais: Apresentar um modelo económico e social errado, que levará à extinção e não à criação de postos de trabalho locais, ao prejudicar as empresas que investem atualmente no aeródromo municipal de Tires, para impor um projeto que ninguém compreende e que não será viável sem os movimentos das escolas, pois sem elas a atividade do aeródromo ficaria limitada a três ou quatro movimentos por dia de aviões executivos, como os números oficiais assim comprovam.


Recentemente, foi notícia o desinteresse na concessão do aeródromo revelado pelo grupo brasileiro JHSF, mesmo após várias reuniões e viagens ao Brasil da comitiva da Câmara Municipal de Cascais. O concurso internacional começa, assim, desde logo inquinado. Mas ainda há tempo para que prevaleça o bom senso se o executivo camarário não insistir neste “elefante branco”, que mais não fará do que partir as frágeis porcelanas num concelho já tão fraturado, económica e socialmente.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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