Opinião

Bullying na acção climática - o negacionismo de Trump

Bullying na acção climática - o negacionismo de Trump

Cristina Garcia

Jurista, doutorada em alterações climáticas e políticas de desenvolvimento sustentável, pela Universidade de Lisboa e Universidade Nova de Lisboa

Nesta postura desenfreada de não contenção de danos, Trump corre o risco de vir a fomentar o maior sentimento antiamericano de que há memória

A vaga cruel do actual discurso polarizador sobre a acção climática cresce a um ritmo alarmante, enfraquecendo as instituições internacionais. Os factuais impactos das alterações climáticas e as tragédias humanitárias daí resultantes exigem um quadro jurídico internacional firme e intransigente na defesa dos direitos humanos.

Após a II Guerra Mundial, os estados comprometeram-se com o ideal comum de fortalecer o respeito pelos direitos e liberdades, promovendo o seu reconhecimento e aplicação universal, incluindo todas as populações dos estados-membros e os territórios sob a sua jurisdição. Mas o mundo mudou — e para pior.

O direito internacional, assente na vontade das nações de autovincularem-se a um cumprimento de princípios e normas que regulam as relações entre si, está a atravessar um dos períodos mais turbulentos. O bullying na acção climática, perpetrado pelo recentemente empossado Presidente dos Estados Unidos da América (EUA), não é apenas um instrumento doutrinário ou ideológico, traduz-se numa prática concreta de medidas inibidoras do combate às alterações climáticas, com consequências reais.

De imediato, as consequências reflectem-se na forte apreensão manifestada por várias organizações internacionais. A curto prazo, a instabilidade gerada pela suspensão de financiamentos, ou por cortes cegos e abruptos em programas onde a sustentabilidade das comunidades locais é essencial, pode intensificar a mobilidade humana em territórios com exposição muito elevada às alterações climáticas.

No primeiro mês da sua administração, o Presidente Donald J. Trump adoptou uma postura de forte negacionismo climático e afastamento dos compromissos internacionais assumidos pelos EUA. Nesse contexto, emitiu uma série de ordens executivas, erguendo a bandeira de uma América em primeiro lugar, em detrimento dos acordos ambientais internacionais. Esta abordagem divisiva – bem evidente no seu discurso mediático – assenta na assunção inflexível de que o uso de recursos federais para políticas de engenharia social do Novo Acordo Verde representa um desperdício do dinheiro dos contribuintes, sem impacto real na vida quotidiana dos americanos.

Numa linha de rompimento com o anterior mandato presidencial, a nova administração, alinhada com as prioridades do Presidente Trump, determinou que, dentro dos limites legais, as agências federais suspendam temporariamente todas as actividades relacionadas com obrigações ou financiamento de assistência financeira federal e outras iniciativas afectadas pelas ordens executivas. Isto inclui, entre outras, a ajuda externa, o apoio a organizações não governamentais e os programas do novo Acordo Verde. Na prática, significa a suspensão de todos os financiamentos para programas locais ligados ao clima. Segundo o memorando suporte, esta suspensão é temporária, embora não haja um prazo definido para a sua duração.

Assim, a incerteza quanto à continuidade de inúmeros programas de adaptação e a consequente instabilidade nas organizações responsáveis, geram uma profunda perturbação no desenvolvimento regular das suas actividades e missões a nível global. Muitos desses projectos são essenciais para a sustentabilidade das comunidades locais abrangidas, frequentemente já em situação de extrema vulnerabilidade, o que pode precipitar cenários trágicos.

Por outro lado, o incumprimento das obrigações contratualmente assumidas pelas Agências Federais poderá levar as entidades beneficiárias a recorrer aos tribunais para exigir o seu cumprimento. Estes processos judiciais irão demorar o seu tempo e inevitavelmente levarão a resultados nefastos na protecção e nas condições de vida das populações envolvidas.

O actual movimento negacionista em marcha nos EUA desatende ao facto de a emergência climática não se tratar de uma questão de fé ou opinião, mas de ciência. Os impactos das alterações climáticas repercutem-se globalmente. O facto de os EUA quebrarem os seus compromissos internacionais, como anunciado em relação ao Acordo de Paris, enquanto estado parte, tem repercussão nas metas previstas, prejudicando o sucesso das medidas em marcha para a diminuição das emissões de gases com efeito de estufa - o que potencia mais dificuldades em reduzir o aquecimento global.

Na verdade, os impactos das alterações climáticas têm sempre uma maior repercussão nas comunidades ambiental e economicamente mais vulneráveis. Contudo, todos somos potenciais vítimas dos impactos das alterações em qualquer lugar do mundo. Vivemos, actualmente, num “mundo menos saudável, menos seguro e menos próspero”, nas palavras do Secretário Geral das Nações Unidas, António Guterres, na sua intervenção de 28 de fevereiro de 2025, manifestando a sua enorme preocupação com esta onda destrutiva de cortes de financiamento.


Nesta postura desenfreada de não contenção de danos, Trump corre o risco de vir a fomentar o maior sentimento antiamericano de que há memória. O slogan de uma America Great Again poderá transformar-se em: Never again, a great America!

Nota: a autora escreve segundo a antiga ortografia.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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