Não é de hoje, não é de ontem. Já leva alguns anos, a lengalenga nacional de que a morosidade dos processos criminais é devida aos expedientes dilatórios, do direito de recorrer de tudo e mais alguma coisa e da maldita fase de instrução. Terrorismo processual, dizem. Os bandidos do costume, os arguidos. E, nem por acaso, se atribui a Joseph Goebbels a frase de que uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade.
A lengalenga também tem o seu quê da propaganda nazi, quando encerra em si essa característica da repetição. Adiante.
Há dias, a ministra da Justiça antecipou que na próxima reunião de Conselho de Ministros de 13 de fevereiro, especialmente dedicada à justiça e à corrupção, serão discutidas e aprovadas medidas de combate à morosidade processual. Nas intervenções públicas sobre as mais diversas áreas da sua tutela política e governativa, Rita Júdice tem estado e está nos antípodas de um ministro da propaganda. É assim também quando tem falado sobre o tema da morosidade da justiça, privilegiando a verdade sobre a mentira, o conhecimento sobre a ignorância, a seriedade sobre a hipocrisia. Aparentemente não cedendo a frases feitas, meias-verdades ou lengalengas. Por isso, ainda há dias, recordava aos deputados da 1.ª Comissão que a “Justiça, para ser bem aplicada, não pode ser lenta, mas não basta ser rápida, porque a rapidez não deve ser um princípio absoluto” e que a “reforma da justiça é ter legislação clara, que não mude a cada sobressalto, e que as mudanças sejam refletidas e ponderadas”. Ainda assim, há um pé que se me acaba a ficar atrás quando a estas ideias logo segue a afirmação de que essa reforma também terá de consistir em “eliminar expedientes inúteis, manobras dilatórias e caminhos labirínticos que só ajudam a descredibilizar a Justiça aos olhos dos nossos concidadãos”.
Farto de corrigir o sistema ChatGPT cada vez que as respostas que oferecia às minhas questões revelavam desinteligência do que pressupunha inteligência – mesmo que artificial –, achei que era tempo de testar o sistema DeepSeek. E comecei assim a minha interação com esse sistema: “Boa noite DeepSeek. Gostaria que me dissesse que tipo de alterações legislativas podem ajudar a aumentar a celeridade do Processo Penal Português”. Não estando de acordo com tudo o que me foi apresentado, a resposta foi impressionante e assustadoramente válida – e até refletida e ponderada.
Apresentando dezanove medidas, que passam pela simplificação de procedimentos, a introdução de mecanismos de desjudicialização, a imposição de sanções por atrasos injustificados e a revisão da legislação substantiva, sugerindo a revisão do quadro de crimes existente na lei, “para evitar a sobrecarga do sistema com casos de menor gravidade que poderiam ser tratados de forma mais simples”, só já perto do fim da resposta é que surge a ideia da limitação de recursos. No meio são também retomadas ideias (igualmente) válidas em torno do reforço das penas alternativas à prisão e da implementação de “sistemas de monitorização e avaliação contínua do desempenho do sistema judicial, com indicadores claros de celeridade e eficiência”. Uma resposta estruturada, abrangente em termos de soluções, sem fundamentalismos e sem lengalengas.
Como o ponto de partida foi bom, continuei o meu diálogo e quis saber qual a perceção do DeepSeek em relação à fase processual onde os atrasos se registam com maior intensidade e repetição. Já sem surpresa, respondeu-me que isso acontece na fase de inquérito. E, também aqui, mesmo sem lhe pedir nada, apresentou uma solução: estabelecer “mecanismos de monitorização e responsabilização pelo cumprimento de prazos”.
Ignorando as medidas concretas que serão apresentadas no dia 13, a verdade é que não se augura nenhuma medida disruptiva e verdadeiramente focada no epicentro da morosidade da justiça penal. Quanto a isso, já a Agenda Anticorrupção apresentou apenas medidas no plano da digitalização de procedimentos e de notificações, que sendo necessárias, são também insuficientes para ultrapassar o cerne do problema. E duvido que haja coragem política para algo que seria, isso sim, catalisador de uma mudança de paradigma: o alargamento dos prazos de duração máxima do inquérito, mas com o estabelecimento de consequências efetivas na sua ultrapassagem. E também aqui, ao fim de duas páginas de avaliação dos prós e contras, o DeepSeek foi além da lengalenga habitual. Vão ver. É o meu repto para todos.
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