Há qualquer coisa de estranho quando ouvimos o que ouvimos, vemos o que vemos, lemos o que lemos, sabemos o que sabemos e acabamos a ignorar o que ignoramos. Um político é ele e o seu contexto e Portugal não é uma ilha. Num tempo de Trump em que o imigrante não branco é o alvo a abater em nome de um movimento global de nacionalismo reacionário, totalitário e que ameaça as democracias, mas também alguns dos valores fundacionais do século XX, XXI desta Europa de lideranças temerosas, há frases e explicações que são mais do mesmo na ‘moleza’ e no salto para o abismo da social-democracia. O contexto importa.
Não, os imigrantes não têm de respeitar qualquer cultura, valor ou modo de vida português. Isso não existe e a maior semelhança a esse tipo de pensamento é o do tempo dos três efes, ao qual julgo que o secretário-geral do PS não se quererá ver associado. Têm, sim, de respeitar as leis portuguesas e todos os valores e princípios consagrados na constituição. Tal como eu ou qualquer outro português. Tudo o que vá para lá disto neste quadro de respeito, valores sociais e jurídicos, é um acrescento para o país. Foi esta a sociedade que construímos e é na diversidade e diálogo de culturas que ela mais sobressai e se distingue. Por mais que este ou aquele autarca pouco hábil possa estar preocupado com a política de perceções dos seus eleitores e a dificuldade que tem em separar a fantasia da realidade, é ao líder político de determinado espaço-democrático que cabe elucidá-lo. Como escreveu Pacheco Pereira, no mundo como está, precisamos de gente dura, fiel a determinados princípios e não de gente mole ou que fala grosso no fácil.
A partir daqui, faz sentido referenciar uma ‘manifestação de interesse’ que já não serve, uma melhor integração dos imigrantes, o reforço de políticas que sempre existiram para isso mesmo e alguns erros num passado recente em Portugal como em todos os outros países europeus. Diria, até, que a integração dos imigrantes no nosso país representa um saldo extremamente positivo em comparação à grande maioria dos países europeus. Os factos assim o demonstram.
Um responsável político hoje que olha mal ou pouco para fora vale tanto como aquele que julga que a razão do seu sucesso será igual ao de ontem nesse campo: resolver os problemas das pessoas. Não é coisa pouca, pelo contrário, serviu como fim primeiro ou último e inspiração da política para alguns, mas infelizmente e caso se tenha passado ao lado, já não é assim há algum tempo. Os desafios começam por saber encarar esse facto. Existem perceções e toda uma série de ferramentas ao dispor de determinada agenda que martela preconceitos. Às vezes com base em mentiras, às vezes com base em algoritmos. Os crimes hoje dos portugueses valem pouco, mas o de qualquer imigrante mais escurinho é replicado, replicado e replicado em variadíssimas plataformas. Resolver problemas não é sinónimo de ganhar eleições por si só.
Pouco ou não, estas noções como ponto de partida valem quase tudo no contexto atual. É quase como a memória recente ou mais longínqua para bússola de futuro. Sem ela, não se chega longe. Tomemos o caso de Lisboa até à pandemia. Um dos desenvolvimentos mais bem conseguidos a todos os níveis na Europa. Com as pessoas. Uma cidade que há trinta anos devia quase tudo a qualquer capital europeia, mas que até há quatro, passou a interessar ao mundo inteiro. Falhou desde aí e continua a falhar na habitação como todas as capitais do centro e sul da Europa e noutras áreas onde passou a estar pior. É urgente resolver a habitação acessível e o que não falta é terreno para isso, por mais que já se queira regressar a um passado de betão pelo betão, com uma nova lei dos solos impingida e pronta a estragar.
A julgar pela bússola avariada do PS, é possível que se concentre nisso e nas dores deste passado recente da habitação na campanha autárquica por Lisboa. Em vez de tudo o resto.
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