Opinião

O tempo não pára, mas a proteção das vítimas dos impactos das alterações climáticas continua parada no tempo

O tempo não pára, mas a proteção das vítimas dos impactos das alterações climáticas continua parada no tempo

Cristina Garcia

Jurista, doutorada em alterações climáticas e políticas de desenvolvimento sustentável, pela Universidade de Lisboa e Universidade Nova de Lisboa

Passados 40 anos, o conceito de refugiados ambientais, que primeiro estranhou-se e depois entranhou-se, tem sido sujeito a duas intensas controvérsias

Este ano celebra-se o 80º aniversário da Carta das Nações Unidas. Em 1945, foi constituída a Organização das Nações Unidas (ONU) visando assegurar a paz e a segurança internacionais, bem como promover a cooperação internacional de modo a atingir o desenvolvimento socioeconómico e o respeito pelos direitos humano.

No âmbito do Programa das Nações Unidas para o Ambiente (PNUA), em 1985, o conceito de refugiados ambientais, elaborado pelo estudioso Essam El- Hinnawi no relatório “Environmental Refugees”, ganhou protagonismo internacional. Passados 40 anos, o conceito de refugiados ambientais, que primeiro estranhou-se e depois entranhou-se, tem sido sujeito a duas intensas controvérsias.

A primeira assenta no pioneirismo do conceito pertencer, ou não, ao autor. Neste caso, revela-se certo o entendimento de não considerar Essam- El Hinnawi o progenitor do conceito de refugiados ambientais. A razão demolidora para a prevalência de tal tese sustenta-se no facto de o autor partir da concepção modelada pelos vários autores em diversas comunicações escritas, todas publicadas pelo Instituto Worldwatch. No entanto, Essam- El Hinnawi é inovador com a elaboração de uma “escala” quanto ao tempo de deslocação das pessoas dos seus habitats naturais para outros territórios, variável entre temporária ou permanentemente. É inegável a sua autoria original da identificação dos cincos parâmetros impulsores das migrações: “desastres naturais, degradação do solo, grandes barragens, acidentes ambientais e degradação ambiental como resultado da guerra”.

A segunda polémica repercute-se na inércia da ONU quanto à protecção jurídica daquelas pessoas, em especial as vítimas dos impactos das alterações climáticas. Esta controvérsia assume especial relevo quando a definição da figura de refugiado climático mostra-se dissonante da dimensão pessoal do conceito estatutário de refugiado (Estatuto dos Refugiados). Assim, manter-se esta nomenclatura e não procurar solução alternativa, revela uma estagnação do problema.

Volvidos 40 anos, a ONU não saiu do vazio jurídico existente e alimenta um impasse ao não aplicar a tais pessoas um novo quadro jurídico no âmbito da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre as alterações climáticas, acantonando-se numa posição dissociável do princípio de cooperação internacional e respeito pelos direitos humanos, trave-mestra dos seus 80 anos de existência.

Infelizmente, neste alçapão sem norma, as situações vão-se multiplicando e as vítimas dos impactos das alterações climáticas são uma realidade visível pelas piores tragédias. Recentemente, este flagelo foi bem patente em países desenvolvidos, como aconteceu nas comunidades de Valenciana, Castela-Mancha e Andaluzia, no final do ano de 2024, e actualmente em Los Angeles, cujos factos provam a ferocidade do aquecimento global e a falácia do negacionismo climático.

Por outro lado, a informação científica mais recente aponta a subida rápida do nível da água do mar como um dos impactos a enfrentar com maior urgência. O facto de o aumento do nível da água do mar estar a sofrer uma aceleração tão intensa irá agudizar a situação dramática vivida nas pequenas ilhas no Pacífico - como Tuvalu, Kiribati e República das Ilhas Marshall - provocando a deslocação de um número crescente de famílias por submersão dos territórios. Este alerta foi dado pelos representantes dos Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento na reunião de Alto Nível, durante a 79ª sessão da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), realizada em setembro último.

O mundo está a assistir a um aumento da temperatura global ultrapassando o limite histórico, em que o ano de 2024 é considerado já o mais quente registado. As principais causas que sentenciam o planeta a um futuro cada vez mais próximo de um cenário apocalíptico devem-se à ação humana e à queima de combustíveis fósseis – esta última causa, a maior e mais determinante do aumento dos gases de efeito estufa (GEE) e, consequentemente, do aquecimento global.

Neste quadro de emergência climática, Donald Trump tomou posse como 47.º Presidente dos Estados Unidos da América (EUA). Já no seu mandato anterior, este republicano tinha retirado o país do Acordo de Paris, decisão que foi revertida pelo presidente Joe Biden. O vigésimo dia do ano de 2025 não vai ser só um número no calendário das presidências dos EUA. Este dia vai marcar o início de um novo ciclo em que os cientistas e activistas do combate às alterações climáticas terão mais um campo de combate: o negacionismo das alterações climáticas consolidado pelo Presidente dos EUA e sua equipa, durante este mandato.

Assim, a melhor forma de fortalecer os 80 anos de vida da ONU é reforçar a cooperação internacional perante todas as adversidades que se avizinham turbulentas. O direito internacional é a única arma para fazer respeitar os direitos humanos a nível global. Só temos que dar-lhe uso e não a fechar na gaveta!

Nota: a autora escreve segundo o antigo acordo ortográfico.

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