As Causas. E em 2025 como vai ser?
Nunca gostei de assistir a tentativas de linchamento e presenciei nestes dias demasiadas para o meu gosto
Comentador
Nunca gostei de assistir a tentativas de linchamento e presenciei nestes dias demasiadas para o meu gosto
Chega hoje ao fim a minha colaboração regular com a SIC, pelo que reafirmo a minha gratidão e prazer que tive durante 6 anos.
Hoje irei olhar sobretudo para 2025, tocando em vários temas e fazendo alguma análise prospetiva, com a vantagem de não ter de recordar dentro de meses onde errei e a desvantagem de não poder esclarecer as eventuais causas desses erros.
É provável que um cessar fogo ocorra na Ucrânia em 2025. Será baseado na resignação com a perda da Crimeia e na impossibilidade prática de recuperar o território que fora dela a Rússia ocupou desde fevereiro de 2022.
Inclino-me para pensar que a solução será materialmente semelhante à que na Coreia resultou do Armistício de 1953.
Foi então criada uma Zona Desmilitarizada (na Ucrânia é provável que com tropas de vários países a assegurar a paz), mas nenhum tratado de paz foi assinado e a República da Coreia continua a não aceitar ser chamada Coreia do Sul. Provavelmente a Ucrânia assumirá posição semelhante.
Como aconteceu com a Alemanha Ocidental em 1955, deverá também iniciar-se o processo da adesão à NATO da Ucrânia e continuar o processo da sua adesão à União Europeia e a reconstrução do País.
Realmente qualquer solução de cedência objetiva exige um trade off com esses compromissos ou nenhum governo ucraniano ousará aceitar um cessar fogo com longa duração.
Tudo indica que haverá um cessar fogo entre Israel e o Hamas e que ele poderá manter-se, aproveitando o reforço dos sunitas na Síria e a possível tentativa do Irão reduzir a ambição de se expandir no mundo árabe, para assim voltar à cena internacional.
Os acordos Abraham não deverão avançar muito se não ocorrer uma aceitação por Israel de um Estado palestiniano, o que em todo o caso poderá ser tentado por Trump.
Mas admito que em 2025 a tensão no Médio Oriente poderá ser reduzida de modo relevante.
Não acredito que a situação no Mar da China tenha grandes melhorias, mas também não penso que a China inicie a aventura de invadir Taiwan nem de aumentar muito a tensão, no primeiro ano do mandato de Trump.
Mas neste teatro geográfico (e em boa medida nos outros que abordei já) há um fator que tudo pode complicar. Chama-se Donald Trump.
Os EUA são a potência incumbente e historicamente quem está nessa posição é conservador e defensor do statu quo, sendo a potência desafiante que compreensivelmente tem uma estratégia com uma dose revolucionária, maior ou menor.
No entanto, Trump tem uma tentação provavelmente irresistível de alterar as regras do jogo e levar os EUA a assumir uma vertente revolucionária em política externa.
É muito mais desestabilizador que o incumbente (EUA) e não o desafiante (China) atue de modo revolucionário.
A imprevisibilidade é assim potenciada e, numa cena internacional muito mais multipolar do que se pensa, os riscos de perturbação da ordem internacional serão muito grandes.
A Europa vai entrar numa fase que foi recorrente na História da Humanidade, de tentar otimizar o dilema “guns vs butter”.
A exigência de Trump (que corresponde hoje mais do que no seu primeiro mandato a uma necessidade objetiva) de que a Europa aumente fortemente o investimento militar (provavelmente agora já não para 2% do PIB, mas pelo menos para 3,5%) vai obrigar a um complexo trade off com riscos políticos na ordem interna dos países europeus.
Realmente o radicalismo de Esquerda sempre teve tendência para ser anti armamento, sacrificando as “guns” à “butter”, mas o radicalismo de Direita era “jingoísta”, nacionalista, militarista e expansionista.
Tudo indica que isso mudou e que os radicalismos dos dois lados irão atacar governos (em regra de moderados) pelos compromissos que colocarão pressão no Estado Social. E alguns Estados a Leste (como a Hungria e a Eslováquia) poderão tentar boicotar as soluções.
Fala-se que isso será contornado através da criação do um fundo de investimento muito forte, de adesão voluntária e que integraria o Reino Unido.
No entanto, as engenharias financeiras têm limites e a pressão sobre os orçamentos estatais vai existir e ser elevada, em países envelhecidos e com fortes partidos populistas.
Se o tema “guns vs butter” vai envenenar a política europeia já em 2025 (o primeiro teste serão as eleições na Alemanha em 23 de fevereiro), admito que o tema dos imigrantes pode ser menos complexo por várias razões, entre as quais:
Por muito que as coisas melhorem, a imigração vai ser tema essencial nas eleições na Alemanha, seguramente também na França e sabe-se lá mais aonde. Provavelmente os partidos populistas radicais irão crescer, complicando muitos dos outros temas relevantes.
Falemos de Portugal. Tudo indica que o orçamento para 2026 não vai ser aprovado, mas pode não ser assim se as eleições autárquicas correrem mal ao PS, o que não é provável.
Nesse pressuposto, e com 308 eleições locais em setembro, o Governo vai inevitavelmente estar em modo eleitoral, pelo que não é provável que arrisque fazer grandes reformas.
Também isso pode não ser assim, se o CHEGA mudar a sua estratégia para uma linha que chamarei de “melonização”, nesse sentido passando do radicalismo e da provocação para uma caminhada clara para o arco da governação e para alianças (pós-eleitorais) em algumas autarquias.
Se assim fosse, conviria ao CHEGA não ter eleições na primavera de 2026, mas apenas em 2028, para se poder adaptar.
Não creio que isso seja provável, mas é hipoteticamente possível.
Talvez seja ainda cedo para debater a eleição presidencial que ocorrerá no início de 2026, mas a História não é nunca linear e raras vezes tem sentido lógico.
O tiro de partida foi dado pelo anúncio da antecipação da passagem à reserva do Almirante Gouveia e Melo no final deste ano. Ele é indubitavelmente o mais provável vencedor.
Todos os outros protocandidatos anteciparam por isso a estratégia e Marques Mendes veio esta semana fazer pequenos gestos simbólicos, revelar surpreendentes pequenas divergências com o atual Presidente, acelerar deslocações pelo País.
Com isso tornou inevitável a sua candidatura. Não é por ter boas relações e estima por ele que deixo de considerar serem elevados os riscos de fracassar.
À sua Direita também ficou claro que o CHEGA terá um candidato, mas acho que não será Ventura – que tem bons pretextos para não ir a jogo - pois arrisca muito se avançar, desde logo porque o Almirante entra no seu eleitorado como faca em manteiga morna.
O problema maior está na escolha do candidato da Esquerda moderada, com Centeno, Seguro e Vitorino a mostrar interesse, mas seguramente que se não avançar apenas um deles correm todos sério risco de não passarem à 2ª volta. Afinal, ao menos em Portugal, três não é a conta que Deus fez…
Finalmente, falemos do que – em minha opinião – serão os temas cruciais de 2025 e aqueles que mais pena tenho de não voltar a comentar. Falo da famosa “perceção de insegurança” e da “imigração” e da estratégia do Governo de aparentemente neles focar muito do seu capital e investimento político.
De facto, a operação policial numa rua de Lisboa na passada 5ª feira gerou a perceção na media oficial (as redes sociais não frequento, como sabem, por higiene básica) de que o Governo e os partidos que o apoiam estão condenados sem apelo nem agravo e isso ir-se-á confirmar nas autárquicas.
A unanimidade na indignação nunca foi tão grande em Portugal, que me lembre.
Para quem – como eu, se calhar já com alguma nostalgia masoquista, calcule-se… - tenha estado focado nas notícias, nos comentários, em entrevistas, isso parece evidente.
Mas nunca gostei de assistir a tentativas de linchamento e presenciei nestes dias demasiadas para o meu gosto. Lamento dizer, por respeitar a sua qualidade profissional, mas por exemplo a Nelma Serpa Pinto no passado sábado na entrevista a Leitão Amaro ultrapassou os limites mínimos da imparcialidade.
Mas será que o Governo foi “suicidado” pela forma técnica como a PSP (com acordo do MP) organizou a rusga há dias, apesar de já ter feito outras idênticas no passado? E quais os efeitos das futuras ações que a PSP já anunciou?
Pode ser que sim, pode ser que não. O que me interessa aqui não é a minha opinião (que tenho clara), mas a realidade e seus efeitos políticos.
Vou, pois, chamar agora a atenção rapidamente para alguns motivos para reflexão nos próximos meses.
Comecemos com o caso do Senador Democrata Sherrod Brown (Ohio), que estava no Congresso desde 1993 (eleito 7 vezes para a Câmara dos Representantes e 3 para o Senado), e era considerado um dos políticos mais pró-trabalhadores no ativo.
Embora em novembro tenha tido melhor resultado do que Kamala Harris (mais 7 pontos percentuais) foi derrotado por um empresário do Partido Republicano.
Brown foi entrevistado pelo “Economist” e o texto deveria ser de leitura obrigatória para a Esquerda em Portugal.
Ele afirmou que foi derrotado por um anúncio: o que simplesmente afirmava que votar nele era votar contra Trump. O seu eleitorado tradicional acha que “off the coasts, we’re a bi-coastal elite party”.
Ou seja, como revelara uma sondagem pós-eleitoral, venceu em novembro a perceção de que os Democratas não vão “to fight for people like me”, que eles olham para os mais desfavorecidos “de cima para baixo” ou, nas palavras de Brown, “they think we see them as a sort of charity case”.
As perceções são e sempre foram a base da política e por isso – cito Brown – foi um insulto pago caro o Partido Democrata parecer dizer ao povo “vocês são tão burros” e para isso desvalorizar as suas perceções.
Passemos agora para o notavelmente profissional estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS), “Barómetro da Imigração – A Perspetiva dos Portugueses” (acessível no site da Fundação, sendo que as referências de páginas infra remete para aí) , que foi dissecado nos media basicamente em doses maciças por quase todos os jornalistas e comentadores, cada vez mais difíceis de distinguir…
No fundo todos disseram o mesmo aos portugueses: é evidente que as suas perceções não fazem qualquer sentido (“you are too dumb”, diriam nos EUA).
Em resumo, quanto aos portugueses, para o que aqui importa:
Este Barómetro é de leitura obrigatória e um instrumento essencial para políticas públicas. A minha opinião – e estou seguro que aqui coincido com a posição do Governo – é simples de referir:
Sobretudo é um erro de “elites” pensar que as perceções populares têm de ser atacadas de frente com cargas de cavalaria mediática.
Ou seja, considero essenciais que se atue no sentido de sossegar os preocupados, que são a maioria dos portugueses … a não ser, claro, que queiram ver o CHEGA a crescer muito mais.
E, sobretudo, parece-me que o Barómetro demonstra/confirma que o PS não está a perceber bem o seu eleitorado…
Estamos a chegar ao fim. Por isso desta vez não há “perguntas sem resposta” (já não me podem responder), e não se esqueçam de semanalmente encontrarem alguém que mereça “elogio”.
Também peço que não esqueçam que “ler é o melhor remédio”, tomem esse medicamento com abundância. A morte do Presidente da APEL, Pedro Sobral, atropelado na Av da Índia, onde pacificamente ia de bicicleta, deixa todos os que gostam de livros a sofrer. Paz à sua Alma.
Finalmente, desejo que em 2025 haja menos “loucuras mansas”, ou que sejam menos loucas do que as quase 300 que vos fui revelando, muitíssimas vezes com base em sugestões vossas.
Obrigado por tudo. E a todos desejo com sinceridade um Feliz Natal (mesmo ou sobretudo aos que me atacaram ou ofenderam com injustiça e sem razão) e que tenham em 2025 tudo que desejam e por certo merecem.
Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt