Opinião

Rua do Benformoso: 25 perguntas para Luís Montenegro

Rua do Benformoso: 25 perguntas para Luís Montenegro

João Costa

Professor universitário, ex-ministro da Educação

Empatia, senhor Primeiro-Ministro. É o que lhe desejo este Natal. Prove que o seu “não é não” não era um camuflado e cobarde “sim é sim.”

Senhor Primeiro-Ministro, tente responder a este conjunto de perguntas com honestidade e sem pensar se as suas respostas atraem eleitorado que tem votado na extrema-direita.

1. Já esteve emigrado e sentiu o que é ser tratado com desprezo por não falar a língua do país onde está?

2. Já alguma vez sentiu que a cor da sua pele, o seu cabelo ou a sua roupa eram motivo para alguém se afastar de si, mudar de lugar ou passar para o outro lado da estrada?

3. Já viveu num país onde o facto de ser estrangeiro o tivesse colocado na situação de ter dificuldade em arrendar casa, independentemente dos seus rendimentos?

4. Já se viu forçado a assumir um trabalho abaixo das suas qualificações por esbarrar em burocracia e elitismos que impedem o reconhecimento do seu valor?

5. Já sentiu a angústia de não saber comunicar com as pessoas a quem entrega diariamente os seus filhos?

6. Já ficou doente num país e não soube como procurar ajuda médica?

7. Já teve de fugir, deixar tudo para trás, com medo de ser preso, torturado ou assassinado apenas por causa das suas convicções?

8. Já alguém lhe disse para ir para a sua terra?

9. Já alguém lhe sugeriu que, apesar de ter concorrido para um emprego que obteve por mérito, estaria a “roubar” o trabalho aos que nasceram no país onde está a trabalhar?

10. Já experienciou a dificuldade de viver uma relação em que a família do/a seu/sua namorado/a não o aceita por ser estrangeiro?

11. Já foi parado pela polícia sem razão aparente, apenas por ser estrangeiro ou pela cor da sua pele?

12. Já sentiu a humilhação de ser encostado a uma parede apenas por estar na rua onde trabalha de forma honesta?

Antecipo que a sua resposta a estas perguntas seja negativa. Pergunte aos seus concidadãos que nasceram em Portugal, filhos de portugueses, e que, ao longo de décadas tiveram e têm de emigrar a quantas destas perguntas respondem afirmativamente. Eu, que vivi 5 anos fora, na condição privilegiada de trabalhar numa universidade, em dois países que, à data, não tinham governantes que legitimavam comportamentos racistas, posso partilhar consigo que respondo “sim” a 7 destas perguntas. Imagine a resposta dada pelos nossos concidadãos com menores qualificações e com menor maestria no domínio de uma língua estrangeira.

Mais umas perguntas, Senhor Primeiro-Ministro:

13. Costuma passar a pé no Martim Moniz, em Lisboa?

14. Já se sentou no Martim Moniz para conhecer muitos dos que por lá gostam de estar, dar dois dedos de conversa, saber as suas origens?

15. Já lá esteve mesmo fora de horas, depois da meia-noite?

16. Já foi às compras nas lojas do Martim Moniz e da Rua do Benformoso?

17. Já assistiu à celebração do final do Ramadão no Martim Moniz?

Aqui não antecipo as suas respostas, mas tenho uma forte intuição. Tive a sorte de morar na zona até há poucas semanas e, caso a sua resposta a estas perguntas seja negativa, posso apenas recomendar-lhe que mude os seus trajetos e experimente passar a qualquer hora, para perder o medo, conhecer as pessoas, para saber que não são diferentes das outras pessoas e para se engrandecer e/ou comover com as suas histórias de vida, ir às compras por ali, para conhecer novos produtos, novos sabores, aprender com quem sabe cozinhar o que nós desconhecemos. Assista a algumas celebrações. São bonitas e aprendemos sobre os outros. O racismo combate-se com conhecimento e empatia. Mas estes só se desenvolvem na proximidade. Experimente conhecer. Não tenha medo. Vai correr bem. E, já agora, não precisa de levar segurança. É seguro.

Só mais umas perguntas:

18. Conhece as estatísticas sobre imigração em Portugal que contrariam as perceções que existem sobre os números da imigração, a alegada relação entre criminalidade e imigração? Já dedicou algum do seu tempo ao estudo destes números?

19. Não considera que seria sua função, enquanto responsável pelo Governo, divulgar a verdade desses números em vez de fazer conferências de imprensa ridículas a alimentar as perceções erradas e a promover o securitarismo?

20. Tem noção dos princípios de proporcionalidade que devem assistir ao exercício da manutenção da segurança e da justiça?

21. Sabe que as perceções de insegurança têm crescido devido, em grande parte, à desinformação, altamente patrocinada pelo Chega, e que não está a fazer mais do que legitimar essa campanha que engana os portugueses?

22. Sabe que está a contribuir para polarizar a sociedade portuguesa?

23. Sabe que é fácil iniciar o caminho a que se entregou, mas que vai perder o controlo, porque se está a pôr ao lado de selvagens fundamentalistas que se sentirão legitimados por si nos seus atos de ódio, xenofobia e racismo?

24. Sabe que a democracia demora anos a conquistar, mas rapidamente se esboroa e que o caminho para o seu fim passou sempre pela identificação por “uns” de um grupo de “outros” a quem se atribuem responsabilidades?

25. Tem noção de como se reveste de ridículo, mas ao mesmo tempo nos envergonha a todos, uma operação policial que tem como alvo os imigrantes e que resulta apenas na detenção de um português?

Empatia, senhor Primeiro-Ministro. É o que lhe desejo este Natal.

Prove que o seu “não é não” não era um camuflado e cobarde “sim é sim.”

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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