O guarda-chuva mais caro do mundo
Um atalho comum é pensar que “o que é mais barato é o melhor”. Pode ser dispendioso a longo prazo
Sócio da ERA Group
Um atalho comum é pensar que “o que é mais barato é o melhor”. Pode ser dispendioso a longo prazo
O guarda-chuva mais caro que alguma vez comprei custou 3 euros. Foi uma quantia enorme, pois durou menos de 10 minutos. Depois de apenas um uso, quando o tentei abrir novamente, desfez-se em muitos pedaços.
Preço e custo não são a mesma coisa. O preço do guarda-chuva era bastante baixo, mas considerando que nem 10 minutos durou, o custo por utilização foi gigantesco.
Estou certo de que todos conseguimos lembrar-nos de um item que comprámos e que durou muito menos do que esperávamos. Apostaria que a maioria das vezes em que isso aconteceu foi com coisas baratas. Também arriscaria dizer que as poucas vezes em que isso aconteceu com materiais caros são as que melhor recordamos.
Num ambiente de negócios, não faz muito sentido comprar a máquina, computador ou carro mais barato e depois pagar muito mais em manutenção e reparações. No entanto, o preço é muitas vezes a primeira consideração ao comprar materiais ou serviços nas empresas. O foco deveria estar na relação custo/qualidade, mas pode ser difícil ter definições claras do que é qualidade ou como medi-la.
Por exemplo, diríamos que é a Mercedes-Benz que produz os melhores carros em termos de qualidade ou a Kia? De acordo com uma sondagem realizada em 2020 pela revista Auto Express, a Kia supera a Mercedes de forma impressionante. A Kia ficou em segundo lugar, apenas atrás da Lexus, em relação ao menor número de problemas relatados pelos seus proprietários.
E a Mercedes-Benz? Foi a 28.ª melhor marca, num total de 30.
Isto não significa que se deve evitar a Mercedes-Benz. Esta sondagem teve certos critérios e respondentes para os quais, no total, a Kia se adequou melhor do que a Mercedes-Benz. Não estamos a denegrir a Mercedes de forma alguma. As expectativas desempenham um grande papel e muitas outras marcas também percebidas como de alta qualidade não se saíram melhor nesta análise. Existem muitas outras razões, além da qualidade, para comprar um Mercedes.
Podemos quantificar facilmente a variável preço, mas quantificar custo ou qualidade é muito mais difícil. Isto porque, cada especialista parece ter a sua própria definição. Por exemplo, de acordo com a Associação Americana para a Qualidade, esta “é a totalidade das características e atributos de um produto ou serviço que influenciam a sua capacidade de satisfazer necessidades específicas”. Outra definição comummente aceite afirma que qualidade é “atender ou superar as expectativas do cliente”.
Já o conceito de custo pode ser definido pelo Custo Total de Propriedade (CTP). Num equipamento, isso incluiria não apenas o seu custo inicial, mas também todos os operacionais que implicará durante a sua vida útil. Estes podem incluir, por exemplo, o consumo de energia, custos de manutenção, peças, formação de funcionários, tempos de configuração, futuras atualizações ou impostos.
Para cada compra deveríamos avaliar primeiro se encaixa nos nossos padrões de desempenho e depois comparar o custo total de todas as alternativas. Porém, este é um processo moroso, geralmente seguido ao decidir sobre investimentos maiores, mas não é prático para coisas pequenas. A fronteira onde o processo deixa de ser feito varia bastante. Esse é o ponto onde os atalhos vêm à tona.
Um atalho comum é pensar que “o que é mais barato é o melhor”. Como a história do guarda-chuva mostra claramente, é um atalho perigoso, que pode ser dispendioso a longo prazo. No meu exemplo, ficou claro que a decisão de comprar um guarda-chuva muito barato foi má. De facto, um estudo intitulado “Commercial Features of Placebo and Therapeutic Efficacy” comparou os efeitos de redução da dor do mesmo comprimido, embora com um preço diferente. Metade dos sujeitos foi informada de que o comprimido tinha um preço de 2,5 dólares, enquanto a outra metade foi informada de que o preço de cada dose era de 0,10 dólares. Já devem ter adivinhado qual funcionou melhor: 85% dos que receberam o mais caro relataram sentir menos dor, enquanto apenas 61% relataram o mesmo para o comprimido mais barato. Curiosamente, o comprimido era um placebo, por isso ambos os resultados são surpreendentes.
A tendência de pensar que “preço mais alto é igual a maior qualidade”, resulta na abundante sobrevalorização de produtos. Distinguir quais serão os sobrevalorizados, na maioria dos casos, será bastante difícil.
O terceiro atalho é escolher o meio-termo. Um estudo recente, intitulado de “The Middle Option Bias: Is the Compromise Effect Driven By a Response Order Effect?", demonstra que, nos cinemas, quando são apresentadas 3 opções para as pipocas e bebidas (pequena, média ou grande), a maioria dos clientes escolhe a opção média. Isto deve-se em parte à aversão às extremidades em atributos (evitar tanto o mais barato como o mais caro) e ao posicionamento físico da opção no meio (uma vez que as opções são frequentemente listadas por ordem de atributos).
Nenhum destes atalhos é bom. O que devemos fazer, então?
Estar ciente do processo e dos nossos preconceitos automáticos é um bom começo. Todos temos preconceitos prevalentes, muitas vezes por área: uma pessoa pode escolher o mais caro quando se trata de carros ou relógios, mas sempre o mais barato ao comprar parafusos para a fábrica. É importante reconhecer os padrões e questionar de que forma é que estes podem estar a prejudicar os resultados pretendidos para que, sempre que possível, façamos escolhas da forma correta e mais consciente.
Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt