Opinião

As Causas. 45-Trump-47

Foi um erro o Partido Democrata abandonar os temas de economia e da imigração (onde podia ter uma narrativa alternativa) a favor de temas com boas sondagens, mas que eram muito menos fortes na hora de votar, e se revelarem elitistas quanto a prioridades

A eleição de Donald Trump, e o modo como se concretizou, é um tema inafastável, por muito que talvez quase tudo já tenha sido dito e escrito.

Registo que me enganei quando, apesar de todas as dúvidas (“muitas razões podem justificar essa hipotética vitória”), disse em finais de outubro que “ainda acredito que Trump não vai ganhar”.

Mas a realidade é que Trump não foi rejeitado e teve até melhores resultados do que o seu próprio partido.

Acreditei nas sondagens, fui intoxicado pelos media dos EUA (confirma-se agora que, de forma evidentemente intencional, ocultaram o que fosse nefasto para o que desejavam como resultado), mas a culpa é minha, pois não tinha dúvidas do bias, e falhei também por me deixar convencer por desejar fortemente que Trump não vencesse.

Ser um comentador e não um jornalista dá-me direito de exprimir preferências, mas teria sido sensato não me auto-intoxicar…

TRUMP 47, EL HISPÁNICO

Em resumo, é verdade que Trump ganhou. Não por ter obtido muito mais votos do que em 2020 (aumentou cerca de 3%), mas porque Biden teve mais 15% do que Harris agora conseguiu. Realmente foi sobretudo ela quem perdeu, mas essa não é a história toda.

Em termos eleitorais a grande razão da vitória de Trump veio do voto dos hispânicos/latinos, a surpresa que os institutos de sondagens não perceberam e que a media não quis ver por achar que sendo imigrantes ou filhos deles sentiriam horror pelas propostas do Presidente 45 (e agora também 47).

Quanto aos hispânicos e em resumo:

  1. Trump aumentou a votação em todos os critérios de análise (sexo, idade, grau de educação, rendimento, geografia);
  2. No total, Biden ganhara o voto hispânico por 33 pontos percentuais e Harris só ganhou por 6 pontos (perda de 27 pontos percentuais);
  3. Nos homens hispânicos, Biden tinha ganho por 23 pontos e Trump ganhou por 12, um aumento de 35 pontos percentuais.

Apesar de serem imigrantes (mas já integrados) votaram Trump por causa de economia, porque sendo católicos o tema do aborto os não mobilizou, porque sendo conservadores reagiram ao controlo da agenda cultural do Partido Democrático pelas causas woke.

Mas, acima de tudo, revelam os estudos que a opção principal deles teve a ver com a recusa da imigração ilegal, que sentem como um problema para o seu próprio processo de integração.

Não foi por acaso que no “county” de Starr na fronteira com o México, no sul do Texas, com 98% de hispânicos, onde sempre em 132 anos tinham ganho os democratas, Trump ganhou. E o El País revela que foi devido à posição dele sobre imigração.

A DERROTA DE KAMALA, APESAR DO ABORTO

A isso se somaram como causa da vitória as apreciáveis subidas no voto em Trump de homens negros, de jovens (de ambos os sexos, sobretudo entre os mais desfavorecidos), mantendo a forte liderança nos homens brancos e resistindo muito melhor do que se antecipava nas mulheres.

Do lado de Kamala (para além de ser – como eu referira na semana anterior à eleição – uma candidata fraca), foi um erro crasso centrar a campanha no tema do aborto e na demonização de Trump e dos seus apoiantes (que Biden se descaiu a afirmar serem lixo).

A luta pelo direito ao aborto (a opção eufemística de se dizer “direitos reprodutivos” deveria ter feito pensar) mobilizou muitas mulheres, sobretudo jovens não casadas e seniores esquerdistas, mas não foi suficiente para contrariar os trunfos pressentidos de Trump nos temas da economia e imigração.

Veja-se o caso da Florida:

  1. 6 milhões (57% do eleitorado) votaram a favor de uma emenda na Constituição para ampliar o prazo de aborto legal;
  2. No entanto, só 4,7 milhões (43% do eleitorado) votaram em Kamala;
  3. Entre as mulheres, Trump continuou a vencer nas brancas, melhorou nas hispânicas e negras, e nas jovens (entre 18 e 29 anos) cresceu mais de 20 pontos para 40% (ou seja, duplicou a percentagem).

Foi, pois, um erro o Partido Democrata abandonar os temas de economia e da imigração (onde podia ter uma narrativa alternativa) a favor de temas com boas sondagens, mas que eram muito menos fortes na hora de votar, e se revelarem elitistas quanto a prioridades.

DOS DEPLORÁVEIS AO LIXO

O tema do “lixo”, devido a um comediante no comício em Nova Iorque, não foi o “turning point” contra Trump, como toda a media que li considerou. Trump ganhou aliás pela primeira vez em counties onde porto-riquenhos são fortes.

É verdade que Biden deu uma ajuda quando afirmou que eleitores de Trump eram lixo, o que a olhar para a cor do fato que a 1ª dama terá usado para votar poderia levar a pensar que foi uma vingança contra Kamala…

É óbvio que o comentário de Biden seria em si mesmo pouco relevante se não fosse considerado por muitos eleitores como uma sequela da acusação de Hillary Clinton em 2016 (“deploráveis”).

E também foi importante por assentar como uma luva na perceção dos menos favorecidos de que o combate eleitoral era entre as elites (pro-“woke”, pro-imigração ilegal, pró-palestianos) das grandes cidades costeiras e o povo, com Trump surgindo paradoxalmente como o líder dos “danados da terra”.

A perceção é errada ou muito exagerada e, como tenho referido, a economia americana é indubitavelmente um caso de sucesso e tem tudo (até a demografia) para continuar a ser assim no Século XXI.

Vejam por exemplo a evolução da demografia que vale mais de mil palavras:

Essa perceção encaixa com uma luva na velha tradição populista, isolacionista, anti-elitista, que sempre foi muito forte desde a fundação dos EUA quase há 250 anos, em 1776.

Além disso, alguns realçam – e com razão – que em praticamente todas as eleições em 2024 (e parece que nas que aí vêm) os incumbentes foram derrotados.

Esta realidade justifica analisar também o fenómeno Trump pelos prismas do conflito entre liberalismo e democracia, da tendência para a exigência de gratificação instantânea dos eleitores (que impede a governabilidade) e da passagem das classes mais desfavorecidas da Esquerda para a Direita.

É o que farei para a semana, mas não sem antes dar um aperitivo desses temas a propósito de Portugal.

O RUGIDO DO PRESIDENTE LEÃO E A INCOMPETÊNCIA NO INEM

Dois temas portugueses ajudaram-me a perceber melhor o que ocorreu nos EUA:

  1. A guerra entre secretários-gerais do PS, por causa do famoso apoio do presidente da Câmara de Loures a uma proposta do CHEGA;
  2. A campanha violenta no espaço público sobre as mortes durante duas greves simultâneas do INEM na passada 2ª feira.

Que fique claro: o Presidente Leão de Loures exagerou e colocou-se a jeito e o INEM falhou irresponsavelmente na preparação dos serviços mínimos para minorar os efeitos das greves.

Mas em relação a Loures deve ficar claro também que é boa política:

  1. Despejar os que não paguem as pequenas rendas sociais (para dar lugar a outros que também precisam e pagarão),
  2. Cancelar apoios, se inquéritos demostrarem que as famílias podem pagar 10 euros por mês para alimentação escolar dos filhos e não o fazem,
  3. Atacar a sensação de impunidade dos vândalos radicais que destroem património dos pobres ou público de que precisam,
  4. Não tolerar a teoria que os vândalos extremistas são vítimas e não culpados.

E em relação ao INEM, houve aplicação da teoria da gratificação instantânea para que:

  1. Se considere que em seis meses seria possível recuperar muitos anos de falta de pessoal, quando devido à legislação em vigor os concursos para contratar demoram quase um ano;
  2. Se assuma que as mortes não são causadas pelas greves, ou que se aceite sem análise a mágica teoria de que os serviços mínimos as evitariam;
  3. A solução para evitar má imprensa é ceder em tudo o que se peça.

O caso de Loures revela que a Esquerda portuguesa moderada não quer perceber o que pensam os eleitores; ou se percebe não se importa, o que é a melhor maneira de eleger Trump e Ventura.

O caso do INEM revela que o desejo da gratificação instantânea aliado à luta pelas audiências destrói a viabilidade da moderação e da própria governabilidade.

E faz-se assim o jogo dos que – como Trump e os radicais de Direita e de Esquerda – prometem resolver tudo de um dia para o outro, sendo desse modo imbatíveis.

O ELOGIO

A tragédia de Valência foi para o Rei Filipe VI, como a resposta à intentona de 23 de fevereiro de 1981 foi para seu Pai, o momento definidor do Reinado.

A coragem que Filipe e Letizia revelaram permitiu que a empatia fosse aceite, como milhares de fotos na Google demonstram.

Eles ficaram uma hora sozinhos no meio da multidão - depois de recusarem fugir como os Presidentes Sanchez e Mazón.

Quem não merece elogio são os “media” portugueses que fizeram copy paste do que vinha de Espanha, como se a revolta fosse contra quem reina e não contra quem governa.

LER É O MELHOR REMÉDIO

Alguns pensarão que a escolha de livros que hoje proponho não é coincidência. Talvez seja, talvez não seja.

Mas é inequívoco que são obras que merecem a vossa atenção e leitura.

De Andrew Roberts, grande biógrafo (por exemplo de Churchill), “Napoleão, o Grande” (D. Quixote). De Antonio Scurati, o quarto e último volume (sobre o tempo da Guerra Mundial) da fascinante biografia romanceada do líder fascista, “M – Mussolini, a Hora do Destino” (ASA).

São grandes livros e livros grandes. Mas verão que não darão por perdido o tempo que lhes dedicarem.

A PERGUNTA SEM RESPOSTA

António Costa usou o pretexto de Loures para abrir as hostilidades com Pedro Nuno Santos por causa de este ter optado pela realpolitik ou ter mudado de convicções para tentar ganhar as autárquicas.

Mas PNS andou 6 meses a afirmar que o PSD anda enrolado com o CHEGA sempre que diz algo de que Ventura goste.

Por isso as perguntas:

  1. PNS aderiu ao PSD?
  2. Afinal o CHEGA passou a ser frequentável?
  3. Loures é para PNS como Paris para o Rei Henrique IV, ou seja, “vale bem uma missa”?

A LOUCURA MANSA

Já referi que o tema do INEM foi tratado muito mal pela media, mas isso não impede que tenha sido uma loucura a incompetência de deixar avançar as greves sem tentar impor serviços mínimos.

A experiência mostra que quanto a serviços mínimos os sindicatos não aceitam o que as entidades patronais propõem e as comissões arbitrais - que têm então de decidir - quase nunca concordam com a administração pública.

Mas até por isso era boa política apostar nessa estratégia.

Talvez a razão seja a mesma que levou vários a fugir de dirigir o INEM, acabando por um tenente-coronel médico receber uma guia de marcha: o INEM estava muito pior do que se imaginava e o novo presidente não deve perceber nada destas complicações de greves. Sorte a dele?

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

Comentários
Já é Subscritor?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate