A agressão russa contra a Ucrânia aproxima-se tragicamente dos 1000 dias. Há poucos anos, imaginar uma guerra de tal duração e brutalidade na Europa era simplesmente impensável. Hoje, não restam dúvidas de que esta agressão não é apenas contra uma Ucrânia soberana e independente, mas também contra a própria Europa, contra os valores e princípios que constituem a base do Tratado de Lisboa. Assim, torna-se evidente que a segurança da Europa é inseparável da segurança da Ucrânia. A adesão da Ucrânia à UE e à NATO está precisamente relacionada com essa segurança – o tempo das zonas cinzentas na Europa já passou; chegou o momento de redefinir as fronteiras da Europa do século XXI.
No dia 30 de outubro, a Comissão Europeia publicou o relatório anual sobre a expansão da União Europeia. Para muitos, trata-se de um documento técnico e quase burocrático, no qual cerca de 100 páginas são dedicadas aos progressos da Ucrânia no caminho para a UE. Contudo, o seu significado para a Ucrânia é quase histórico.
Em primeiro lugar, o relatório confirma que a Ucrânia cumpriu todas as recomendações definidas pela Comissão Europeia em 2022 como pré-requisitos para obter o estatuto de candidato. E isto durante uma guerra! Pela primeira vez na história europeia, um país inicia o processo de integração na UE enquanto enfrenta uma agressão e, ao mesmo tempo, avança em reformas essenciais. Estamos prontos e capazes de lutar pela nossa independência enquanto trabalhamos para o nosso futuro europeu. A Revolução Laranja de 2004 e a Revolução da Dignidade de 2014 foram travadas sob as bandeiras ucranianas e europeias, e agora a Ucrânia luta pelos valores europeus. Valores que, infelizmente, já não podem ser considerados garantidos. Hoje, esses valores precisam de ser defendidos e, no nosso caso, custam-nos vidas.
Em segundo lugar, o relatório destaca os avanços da Ucrânia na luta contra a corrupção, desmistificando a narrativa da desinformação russa que tenta apresentar a Ucrânia como “um dos países mais corruptos”. O relatório menciona os esforços do nosso país e, acima de tudo, resultados concretos, como o aumento de decisões judiciais na área da corrupção, o maior desde a criação das principais instituições anticorrupção.
Em terceiro lugar, é importante para a Ucrânia que a Comissão Europeia reconheça que o processo de avaliação da legislação ucraniana em conformidade com a legislação da UE – conhecido como “screening” – está a decorrer sem problemas. Este processo ajudará a identificar claramente o volume de legislação europeia que a Ucrânia deve implementar no direito nacional. Observa-se progresso nesta área, com a ratificação do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional após mais de 20 anos de adiamento. No entanto, há ainda muito trabalho pela frente.
A recomendação mais significativa do relatório é que a Ucrânia cumpre os critérios para avançar para a próxima fase das negociações em 2025. Isso significa abrir os chamados “clusters de negociação” com a Ucrânia, começando com questões de Estado de Direito – aquilo que nos define como europeus. Temos muitas tarefas difíceis pela frente e contamos com o apoio dos nossos amigos, incluindo Portugal. Agradecemos tanto ao povo português quanto ao governo português pelo elevado nível de apoio à nossa integração europeia – um dos mais altos da UE. No processo de adesão à UE, esperamos aproveitar a experiência portuguesa em várias áreas e acreditamos que, mesmo em tempos de guerra, as empresas portuguesas verão oportunidades de investimento no nosso país.
Estamos determinados a avançar no caminho da integração europeia o mais rapidamente possível – mas sem comprometer a qualidade das reformas. Não procuramos “descontos” no caminho para a UE – isso tornaria o nosso país e a União mais fracos. Precisamos de força e resiliência, pois o Kremlin continuará a tentar enfraquecer a Europa e a sua capacidade de viver de acordo com os seus valores. O nosso sucesso conjunto será uma demonstração de que a Europa é forte e capaz de responder aos desafios do século XXI.
A UE também tem o seu próprio trabalho de casa para se preparar para a adesão de novos Estados-Membros. A expansão requer a reforma dos processos de tomada de decisão e, possivelmente, das suas instituições. Esperamos que o debate interno sobre a reforma da UE ajude a estabelecer uma estratégia robusta de expansão. Após anos de estagnação, o avanço deve ser uma prioridade. Como afirma o relatório da Comissão Europeia, o processo de expansão é uma oportunidade histórica para ambas as partes e, ampliada, a UE é a melhor garantia de estabilidade política, segurança e paz no continente.
Em menos de um mês, a UE inicia um novo ciclo de cinco anos. Este período será, sem dúvida, existencial tanto para a Ucrânia quanto para a Europa. A Ucrânia não só deve defender a sua soberania e integridade territorial, mas também implementar reformas significativas. Faremos tudo para que o sonho de uma Ucrânia europeia e democrática, pelo qual muitos ucranianos sacrificaram as suas vidas, se torne realidade.
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