As Causas. O que é demais, não presta
O que foi dito por André Ventura, Pedro Pinto e um assessor parlamentar do CHEGA foi intolerável. Mas do lado oposto campeou o radicalismo e extremismo de Esquerda
Comentador
O que foi dito por André Ventura, Pedro Pinto e um assessor parlamentar do CHEGA foi intolerável. Mas do lado oposto campeou o radicalismo e extremismo de Esquerda
Ou Eça de Queiroz continua atual ou Portugal não saiu ainda do século XIX. Muita coisa continua a vir de França, ainda que já não seja pelo Sud Express.
Os distúrbios que começaram na passada 2ª feira, dia 21, de madrugada e se prolongaram por toda a semana copiam o que se vê recorrentemente na televisão sobre a “banlieue” de Paris.
A isso se junta a tentativa de mimetismo do movimento “black lives matter”, que gerou a destruição por bandos de extrema-esquerda que se seguiu à morte de George Floyd, causando em poucas semanas danos de valor superior a dois milhares de milhões de dólares a milhares de pessoas inocentes.
E, no entanto, o polícia que matou Floyd (chamado Chauvin) foi condenado a 22,5 anos de prisão após um processo em que teve todos os direitos de defesa garantidos.
Os media já decidiram o que se passou na Cova da Moura, seja ou não correto. Vou, pois, assumir que Odair Moniz não estava armado, não reagiu e que foi morto por excesso de legítima defesa o que constitui um crime.
Nesse pressuposto basearei o que vou dizer. Se não for assim, tudo o que vou dizer se continua a aplicar, ainda que com dosagens ligeiramente diferentes.
Em regimes democráticos (não são maioria no Mundo, mas França, EUA e Portugal estão incluídos) os crimes cometidos por um polícia são tratados por tribunais independentes do Poder Político. As leis que regem este tipo de situações são entre nós sobretudo a Constituição, o Código Penal e o Código do Processo Penal.
Por isso é inadmissível e inaceitável aplicar outras “leis” (atenção, é com aspas!) como seriam a “lei do talião” ou “lei do olho por olho”, a “lei da culpa coletiva”, a “lei da ação direta”, a “lei todos os que não vivem em bairros são culpados”, a “lei têm o direito de ser violentos os que Estado não sustenta”.
Como se não justificou reagir a uns disparos de um avião sobre o RALIS em março de 1975 com a nacionalização de centenas de empresas, também nada justifica que à morte de Odair Moniz se seguissem destruições de património de pessoas inocentes e de bens públicos que existem para servir esses bairros onde vivem pessoas muito desfavorecidas.
Não tenho dúvidas de que existem excessos policiais. Um dos últimos casos da minha vida profissional foi defender gratuitamente uma cidadã que foi agredida sem justificação.
Não tenho dúvidas que ocorreram no passado casos de mortos por ação policial e também morte de polícias por ação de criminosos.
As estatísticas revelam que nos últimos anos foram em número idêntico: só que as mortes de polícias nunca foram para manter a ordem pública ou em legítima defesa e as outras - pelo menos em alguns casos - até tribunais concluíram que não foram atos criminosos.
Mas todas as mortes são lamentáveis, e se constituíram crime são intoleráveis.
Infelizmente o que vi, ouvi e li de responsáveis políticos (incluindo dirigentes partidários e associativos e investigadores sociais) e de jornalistas, não tomou isto em consideração ou não lhe deu adequado relevo. Basicamente, foi tudo muito parcial.
E concluo isso porque durante uma semana os radicais e extremistas de Direita e de Esquerda ocuparam o espaço mediático; e as posições moderadas, como acontece no meu caso, foram desvalorizadas por serem seguramente menos teatrais.
O que foi dito por André Ventura, Pedro Pinto e um assessor parlamentar do CHEGA foi intolerável e demonstra que o instinto e a crença natural deles puxam para o radicalismo extremista, o que os torna infrequentáveis.
Mas do lado oposto campeou o radicalismo e extremismo de Esquerda, não apenas dos bandos que copiaram noites de França e EUA, como também de responsáveis políticos e sociais.
E entre os jornalistas a alma radical de alguns soltou-se à Esquerda, pois como se sabe não se nota que exista um único jornalista em Portugal com o coração no radicalismo de Direita.
Como aqui referi há umas semanas, a repressão do comunismo soviético (KGB) foi muito pior do que a da ditadura do Estado Novo (PIDE), mas como lembrou a Clara de Sousa (com a minha concordância) ambas eram intoleráveis.
É verdade que o extremismo de Direita foi na passada semana muito mais intolerável (como o da KGB) do que o extremismo de Esquerda (como o da PIDE), mas ambos deviam ser altamente censurados e vi muito ataques a uns e silêncio ou justificações quanto aos outros, o que não é saudável para o sistema político.
E é das consequências disto tudo que vou passar a falar.
De novo, vamos assumir que o extremismo de Esquerda tem razão em tudo o que afirma. E, em alternativa, podemos assumir que o extremismo de Direita é que tem razão em tudo o que afirma.
Em primeiro lugar, ambos radicalismos esperam ganhar – e ganharão – em qualquer das duas hipóteses. No fundo são irmãos inimigos que se alimentam uns dos outros, usando político-ideologicamente o modelo das plantas parasitas.
Ou seja, os moderados – na sua tendencial cobardia ou por vezes pura estupidez – são chamados a entrar nessa guerra de parasitas, e acabam defendendo uns por causa dos outros, ou vice-versa. Ou, pelo menos, acabam a desculpabilizar o que é inadmissível e intolerável. E com isso reforçam os extremos, à sua própria custa, num exemplo gritante de masoquismo político.
Em segundo lugar, os invocados habitantes de bairros ditos problemáticos ou os polícias (esquecendo-se a velha regra de que era blasfémia invocar o nome de Deus em vão), ficarão evidentemente piores pela polarização extremista do que sem ela.
Em terceiro lugar, agora focando-me na tendência altamente dominante nos media, nos jornalistas e no BE (mas também acabando por contaminar o cauteloso PCP), LIVRE e franjas radicais do PS, isto exprime uma forma sociológica de paternalismo a que alguns chamariam “racismo bem-pensante” ou “Estatuto do Indigenato 2.0.”
E, finalmente, se isto continuar a repetir-se o risco é que acabem a ganhar o apoio do eleitorado o que entre nós seja equivalente a Marine Le Pen e a Donald Trump.
Vivemos num Estado de Direito, baseado na existência da separação de poderes, de instituições representativas, no respeito das leis e de pessoas e bens, na recusa de admissão da violência privada como meio de resolução de pendências.
Os setores de Esquerda (sobretudo a não extremista) concordam com isso. Mas admitem, compreendem e até apoiam para estes setores mais desfavorecidos e de um modo geral tendencialmente não brancos (como se pode ver nas manifestações) o que recusam – e bem – em todas as outras situações.
Ou seja, tornam os negros que vivem nesses bairros em cidadãos diferentes e (mesmo sem o desejarem, claro) de segunda classe, como se as regras do Estado de Direito lhes não servissem e não lhes pudessem ser aplicáveis. Era assim nas Colónias até à reforma de Adriano Moreira.
Nisto, como em tudo, o problema está em começar. Admitir que alguns possam fazer sem imputabilidade o que outros não podem é um forte convite a que estes últimos façam o mesmo e com isso se regresse à lei da selva de que falava Hobbes. Há países que foram por aí e agora vivem em guerras civis.
Ou seja, tornam os negros que vivem nesses bairros em cidadãos diferentes e (mesmo sem o desejarem, claro) de segunda classe, como se as regras do Estado de Direito lhes não servissem e não lhes pudessem ser aplicáveis. Era assim nas Colónias até à reforma de Adriano Moreira.
Nisto, como em tudo, o problema está em começar. Admitir que alguns possam fazer sem imputabilidade o que outros não podem é um forte convite a que estes últimos façam o mesmo e com isso se regresse à lei da selva de que falava Hobbes. Há países que foram por aí e agora vivem em guerras civis.
No fundo, no fundo, é isso mesmo que os extremistas querem. E só os moderados querem e podem enfrentar os problemas no respeito da “Rule of Law”.
Para isso há uma condição e uma oportunidade: a condição é que os moderados tenham a coragem de afirmar o que tem de ser dito, sabendo que serão vilipendiados nas redes sociais e marginalizados pela media oficial. Saúdo, por isso, o que disse José Eduardo Martins há dias neste canal.
E há agora uma oportunidade a não deixar passar: na franja extremista da Direita diz-se que a polícia deve disparar primeiro e perguntar depois e na franja extremista da Esquerda refere-se que os polícias têm sete vidas, mas eles têm oito balas (e outras coisas mais ou menos na mesma linha).
O voto nos partidos radicais vem por certo de extremistas que sempre votarão nos CHEGA, BE, LIVRE deste mundo, ao menos enquanto não for viável votar em outros mais extremistas.
Mas neles votam também muitos mais que não se revêm nisso, mas optam por eles como protesto, desânimo, revolta, desconfiança dos moderados, considerados fracos, moles, incapazes de enfrentar problemas. E estas afirmações escabrosas, escandalizam-nos.
O sistema da “Rule of Law” não se defende acabando com os extremistas ou proibindo-os de existir: é melhor que se integrem no sistema político pelo voto do que conspirem e usem de violência contra ele.
O sistema da “Rule of Law” defende-se levando os que não são extremistas a desistir de votar juntamente com os que o são.
Foi por isso que louvei o que LM disse no Congresso do PSD dias antes destes acontecimentos: enfrentar com moderação os problemas que levam para o radicalismo os descontentes, é essencial. Não o fazer com receio das críticas, que aliás caíram logo fortes, é ajudar os extremistas. Ponto final.
Qualquer dúvida que ainda subsista aí em casa sobre o que referi, por certo se esvai se pensarem nas eleições presidenciais nos EUA daqui a uma semana.
Não sei se Trump vai ser eleito presidente, mas sei que está claramente mais perto de o conseguir do que estava quando em 2016 surpreendentemente derrotou Hilary Clinton… e hoje não há quem vote nele iludido, além de que 8 anos mais tarde ele está muito menos capaz de dirigir o país que lidera o mundo livre.
Muitas razões podem justificar essa hipotética vitória, entre as quais:
Apesar de tudo, ainda acredito que Trump não vai ganhar. Para a semana disso falarei no programa que terá excecionalmente um convidado.
Quem mais o merece são os habitantes de bairros ditos problemáticos e as vítimas da destruição nas suas pessoas e bens. E entre eles o motorista da Carris de 41 anos e com filhos que foi vitimado por um cocktail molotov lançado para cima dele.
Sobre esses, não há dúvidas que em qualquer das teses em confronto são inocentes.
E muitos deles escrevem diariamente histórias de honestidade, esforço, dedicação e coragem em condições muito adversas.
A literatura portuguesa e o próprio idioma comum devem muito a escritores de Angola e Moçambique.
Dois dos maiores publicam agora dois romances que vou ler, mas que não tenho dúvidas em recomendar desde já.
“Tudo-Está-Ligado” (D. Quixote) de Pepetela e “A Cegueira do Rio” (Caminho) de Mia Couto são de algum modo romances históricos e retratam as suas Pátrias.
É um acaso feliz que surjam estes dias de tensão, violência e sofrimento. Recomendo a leitura também com isso presente no meu espírito.
Mariana Mortágua escreveu no dia 24 deste mês, quinta-feira, à tarde: “a minha solidariedade com o trabalhador da Carris Metropolitana hospitalizado, vítima de um ato totalmente injustificável”.
Atitude muito louvável e que aqui saúdo. No entanto, desde a noite do dia 21 que os atos de violência se repetiam na zona da Grande Lisboa.
Por isso duas perguntas: qual a razão para que a Esquerda radical (e nela o BE) não ter condenado a violência, como condenou o que aconteceu ao motorista?
E se esses setores político-ideológicos se tivessem mobilizado de imediato (resistindo à sua crença natural) contra esses crimes, será que teriam ajudado a evitar a sua continuação e – quem sabe – o lançamento do cocktail molotov pela janela que o motorista tinha aberta?
É legítimo em termos democráticos que existam visões ultra-securitárias no espaço público e até que se defenda que as forças policiais nunca erram e merecem elogios indiscriminados e sem nuances.
Discordo disso com todos os meus poros de antigo advogado, mas este não é o tema.
O que acho uma absoluta loucura é que Ricardo Reis (assessor do CHEGA) tenha escrito sobre Odair Moniz “menos um criminoso… menos um eleitor do Bloco”, que Pedro Pinto (líder parlamentar) tenha afirmado “se as forças de segurança disparassem mais a matar, o país estava mais na ordem”, e que até o mais articulado André Ventura tenha afirmado sobre o polícia que disparou “nós não devíamos constituir este homem arguido; nós devíamos agradecer a este polícia o trabalho que fez”.
Seja crime ou não – isso será decidido pelos tribunais – é um alucinado erro político de quem não percebe o país em que vive, e esquece a velha frase da sabedoria popular, “o que é de mais, não presta”.
Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt