Em tempo de aprovação do novo Orçamento do Estado, que agora está mais certa, também é tempo de revisitar os velhos argumentos invocados pelo setor da saúde quanto ao aumento dos impostos sobre o tabaco. Ora, o que está em causa é o facto de algumas sociedades médicas considerarem que não aumentar impostos sobre o álcool e o tabaco é “irresponsabilidade política”.
Na verdade, estamos no campo da pura demagogia, uma vez que basta perceber que o aumento da tributação nem sempre se traduz em aumentos de receita e reduções de consumo. Aliás, existem muitos exemplos em que aumentos desproporcionados de tributação traduziram-se em perda de receita fiscal. Sobretudo, por alterações dos comportamentos dos consumidores que, ao invés de abandonarem o consumo destes produtos, alteraram as suas preferências para produtos com menor tributação (ou não tributados de todo), ou pela aquisição dos mesmos no mercado ilícito.
Sobre este último tema, os números são expressivos! Em 2023, nos 27 Estados-Membros da União Europeia, foram consumidos mais de 35 mil milhões de cigarros de origem ilícita, representando mais de 8% do mercado europeu e traduzindo uma perda de receita fiscal que ascende a 11,6 mil milhões de euros. Portugal, não é exceção a este fenómeno. No mesmo ano, o mercado ilícito nacional cifrou-se em aproximadamente 240 milhões de cigarros, significando uma perda de 44 milhões de euros em receita fiscal para o Estado Português.
Na verdade, os Estados deixam de receber milhares de milhões de euros em impostos, mas também dos impostos que os operadores legítimos deixam de pagar por via da transferência de vendas para os canais ilegais – que podiam ser investidos em informação e literacia do consumidor, no combate à desinformação e às fake news e em tantas áreas relevantes para o bem-estar das populações e para a consolidação das democracias.
Ainda sobre a tributação e receita dos impostos do tabaco, constata-se que esta tem vindo a aumentar nos últimos anos, pelo que os esforços na obtenção das receitas deviam estar concentrados na área em que é necessária especial atenção do Governo: no conhecimento dos dados fiscais.
Em Espanha, há quase nove anos que a tributação dos produtos de tabaco não aumenta. Se continuarmos a aumentar os impostos indiretos sem “olhar” ao que faz o país vizinho, poderemos vir a ter perdas de receita fiscal muito significativas. Com cerca de 1.200 quilómetros de fronteira, não será difícil imaginar um residente em Elvas deslocar-se a Espanha para fazer as suas compras semanais (menor IVA), abastecer o carro e trazer um volume de cigarros ou de novos produtos de tabaco para a semana (mais baratos).
Por outro lado, é importante que as receitas advenientes nos impostos sobre o tabaco tenham números mais preditivos e rigorosos. Isto conseguir-se-á, dando preferência a estruturas específicas de imposto, reduzindo ao máximo possível, ou abandonando até, os elementos ad valorem do imposto.
Importa, assim, que os governos e os reguladores, sem necessidade de aumento de impostos, garantam uma abordagem holística que complemente sanções severas e uma aplicação forte da lei com campanhas de sensibilização e educação sobre o impacto do comércio ilícito na vida real, num ambiente fiscal e regulamentar previsível, e favorável à constituição de parcerias público-privadas, em que os fumadores adultos não sejam “empurrados” para o mercado negro.
Importa também dar resposta aos desenvolvimentos do mercado e ser ágil na adaptação do código de impostos especiais de consumo (CIEC) face ao surgimento de novos produtos de tabaco que são o produto direto da inovação e da ciência ao serviço da redução de nocividade. Evitar situações “loophole” através da criação de novas categorias e definições fiscais, harmonizando a classificação pautal aduaneira com o CIEC, é igualmente uma via válida de combate ao comércio ilícito, geradora de receita fiscal, e ao permitir um maior e melhor controlo sobre a circulação destes produtos, contribui para a proteção do consumidor.
O combate ao comércio ilícito deve ser abordado pelo legislador como uma prioridade máxima que exija, pois, uma ação ainda mais concertada entre os operadores, o Estados, as autoridades e outros decisores públicos, assim como a garantia de estratégias públicas que permitam tributar os novos produtos, diferenciando a incidência fiscal dos produtos de tabaco e nicotina consoante o seu grau de nocividade, estimulando por essa via, os fumadores de cigarros a transitarem para soluções de menor risco e, decididamente, a não enveredarem pelo mercado ilegal.
De forma concertada, é possível chegar a uma solução sem aumentos de impostos, que seja não só eficaz no combate ao comércio ilegal destes produtos, mas também na resposta à melhoria da proteção do consumidor: por via da tributação e controlo de novos produtos, através da criação de novas categorias no CIEC, e pela diferenciação dos níveis de tributação proporcionalmente ao risco de nocividade, promovendo assim consumos que poderão contribuir para uma maior redução da carga da doenças relacionadas com o tabagismo.