Opinião

As Causas. O Orçamento é de quem o apanhar

Neste momento, todos os partidos da oposição – do CHEGA ao BE – estarão já laboriosamente a preparar propostas de alteração na especialidade para colocar o PS com o dilema da canção brasileira: “se fugir o bicho pega, se ficar o bicho come”

Tudo parece indicar que será possível a abstenção do PS na votação inicial do Orçamento e que, depois, na especialidade o PS afirmou que respeitará o compromisso que anunciou de não se aliar ao CHEGA (ou aproveitar o seu voto a favor ou abstenção) para desvirtuar o Orçamento.

O que resta, aparentemente, é o PS aceitar trocar a exigência de que o Governo aceite que não tentará baixar até 17% o IRC nos próximos orçamentos pela afirmação do PS que desde já anuncia que votará contra um Orçamento que o proponha.

Se terminar assim, Luís Montenegro tem uma vitória e consolida-se como “o” político para estes próximos anos e Pedro Nuno Santos mostra ao País que não é tão radical como Alexandra Leitão e que lidera mesmo o PS, o que é uma vitória a somar às cedências que obteve do Governo.

E todos nós ficamos a saber que haverá eleições legislativas em 2026, meses depois da eleição presidencial, a menos que o CHEGA opte durante o próximo ano por uma nova estratégia, tema de falaremos também adiante.

Mas agora vamos à proposta de Orçamento, que será entregue na Assembleia da República na próxima 5ª feira.

KAFKA NO ORÇAMENTO

A estratégia negocial do PS e Governo para o Orçamento causou um “dano colateral”: tenho de preparar o meu programa no escuro, pois nunca tive por hábito pedir a decisores – como se fosse um jornalista, profissão que muito respeito, mas não é a minha – informações com embargo para poder ter tudo preparado.

Vou assumir a provável abstenção do PS na votação global inicial, viabilizando a passagem à discussão na especialidade.

Uma coisa, porém, julgo poder dizer. E essa é para mim a mais importante questão: O PS terá dito (e o DN lembra-o hoje) que para as votações na especialidade “reservamo-nos o direito, obviamente, de podermos recuperar algumas propostas que não sentimos que estejam de forma clara, objetiva, inequívoca, apresentadas pelo Governo, mas sem nunca criar um desequilíbrio orçamental”.

Devido aos bombardeamentos do Irão há uma semana, razões editoriais levaram a que me fosse pedido que apenas abordasse esse tema, pretensão a que acedi por não achar que tenha de intervir na programação da SIC Noticias.

Por isso só os leitores do Expresso puderam ter acesso ao guião do programa que planeara e, nele, ao que intitulei “Kafka no Orçamento”, o risco de as oposições desvirtuarem o conteúdo da proposta de Orçamento, no limite conduzindo a que o PSD e CDS votem contra o Orçamento que resulte dos debates na especialidade.

Em minha opinião, como também expliquei, seria inconstitucional “desvirtuar” o Orçamento, mas a menos que o Presidente da República peça fiscalização preventiva da Lei do Orçamento (e aceite assim pagar um preço político), a hipotética declaração de inconstitucionalidade não chegaria em tempo útil.

Aliás traçar a fronteira do “desvirtuamento” será sempre discutível e mais difícil do que chegar a acordo numa hipotética nova fronteira entre a Ucrânia e a Rússia.

Mas o problema é óbvio: neste momento, todos os partidos da oposição – do CHEGA ao BE – estarão já laboriosamente a preparar propostas de alteração na especialidade para colocar o PS com o dilema da canção brasileira: “se fugir o bicho pega, se ficar o bicho come”.

Perante centenas de propostas, o PS terá de decidir se sistematicamente as rejeita (passando a perceção de estar colado ao Governo) ou se opta por as fazer aprovar, e inevitavelmente o Orçamentos será muito desvirtuado.

Por isso, o hipotético acordo que hoje ou amanhã seja alcançado será apenas o tiro de partida para a guerra civil de 2 meses no país das oposições, que será pago pelo Governo e pelos portugueses e que poderá chegar às eleições antecipadas que se julgaria terem sido evitadas.

OS RADICAIS DE 1975 PARA 2024

A Assembleia da República (AR) foi cercada em novembro de 1975 (há um excelente e recente livro que conta a história) e os deputados

comunistas e da UDP (um dos pais do Bloco de Esquerda) foram então aplaudidos entusiasticamente pelos radicais.

Na passada semana um movimento “inorgânico” de Sapadores Bombeiros invadiu as escadas da AR que não poderiam usar e foram parados pela Polícia de Intervenção, que aplaudiram, como também aplaudiram desta vez os deputados do CHEGA.

Muita coisa em comum, outras bem diferentes.

Mas acima de tudo, estas duas fotos têm um relevante simbolismo e, como as manifestações, revelam mais do que mil palavras a mudança da revolta anti sistémica da Esquerda para a Direita radical.

Diga-se antes do mais que, como a morte e os impostos, teremos sempre uma faixa da população (entre 15% a 25% dos votantes) que tendencialmente votam em partidos radicais ou se abstêm se os não encontrarem.

Não é mau que se integrem no sistema político as franjas radicais. E é bom que se dividam entre os dois extremos do espetro político, pois com isso perdem alguma força e capacidade revolucionária.

Em segundo lugar, convém que os moderados de um lado e do outro percebam que nada podem fazer de substancial com os partidos radicais, pois estes sabem que se caminharem para a moderação perdem o “fonds de commerce” do voto radical como a aventura da “geringonça” revelou ao PCP e ao BE.

Em terceiro lugar, parece óbvio que a melhor estratégia para os moderados de cada lado é esvaziar os partidos radicais de causas e objetivos que não são em si mesmos radicais, mas são “ocupados” pelos radicais se os moderados os não enfrentarem e com isso

passem a dar tranquilidade a votantes que não são ontologicamente radicais, mas apenas estão muito preocupados com certas políticas ou a falta delas.

Ou seja, sendo o CHEGA um partido que prefere mais (ainda?) fidelizar o voto radical do que arriscar deslocar-se para o centro do sistema, ele não é um parceiro fiável, como o BE e o PCP o não são pelas mesmas razões.

Por isso fez todo o sentido que a AD quisesse construir o Orçamento para 2025 com a abstenção da oposição moderada (e não com o voto favorável do CHEGA) e fará todo o sentido que se confirme que o PS não insiste na sua estratégia de tentação de “atirar a AD para os braços do CHEGA”.

Tudo pode mudar no próximo ano e meio se o CHEGA arriscar mudar, se quiser fazer acordos autárquicos com a AD daqui a um ano, se apoiar um candidato presidencial comum com a AD e por isso votar favoravelmente o Orçamento para 2026.

Não acredito nessa probabilidade nem que o PSD o aceite. Mas nisso como em tantas outras coisas é regra não esquecer que previsões a médio prazo na Política são parte da prática de bruxos e adivinhos, dos que leem cartas e palmas da mão, arte que não domino e que já estou velho para aprender.

O ELOGIO

O Governo de Portugal continua totalmente desinteressado da comemoração dos 500 anos da morte de Vasco da Gama.

O elogio é, também por isso, para o Clube Militar Naval, o Clube do Sargento da Armada, o Clube de Praças da Armada e a Marinha Portuguesa por, no Dia da Marinha (este ano em Aveiro), lançarem uma medalha honrando Camões (desta vez com cara e não como sendo “um poeta cego”) e Vasco da Gama.

Assim se confirma a célebre frase “Siga a Marinha” quando há que avançar, sem lamentações, nem queixumes.

Mas também não há dúvida de que isto é objetivamente uma bofetada de luva branca no Governo de Portugal.

LER É O MELHOR REMÉDIO

Mário Soares nasceu há 100 anos e as merecidas comemorações não faltarão. Entre elas surge a reedição da longa entrevista em 3 volumes que lhe fez Maria João Avillez e que foi publicada há quase 30 anos.

Os dois volumes (enriquecidos com índices e análises de historiadores) são belíssimos e seguramente ficarão em destaque em coleções de bibliófilos.

Mas são essenciais para se compreender a nossa História Contemporânea, contada pelo “colosso”, que antes e depois do 25 de abril nunca se enganou nem hesitou na luta pela Liberdade e pela Democracia.

A PERGUNTA SEM RESPOSTA

A foto que vê é muito simbólica: reúne os Ministros da Saúde que ao longo de décadas tentaram – o melhor que foram capazes – que arrancasse a construção do Hospital de Todos os Santos em Lisboa.

Realmente a foto mostra a continuidade do Estado e revela o agradecimento do atual Governo aos que o antecederam. Mas também denuncia o tempo que em Portugal se demora a cumprir o verso de Fernando Pessoa, “Deus quer, o Homem sonha, a Obra nasce”.

A pergunta é: quando passará a ser possível ver menos ex-ministros na “foto de família”?

A LOUCURA MANSA

Mais um escândalo embaraça (injustamente) o Rei Filipe VI de Espanha e mais uma vez tem a ver com o Pai, Juan Carlos.

Pode ser-se ou não a favor do sistema monárquico em abstrato ou em concreto em certos países e/ou situações.

Mas o que não há dúvidas é que disso resultam privilégios e deveres com base no nascimento, um critério que ao menos no nosso tempo é absurdo.

Só que ainda mais absurdo é que quem acede desse modo a privilégios se esqueça que a aceitação social exige uma dedicação total à causa pública e uma vida respeitável.

Isabel II é, evidentemente, o paradigma. Juan Carlos parece que se tornou no anti-paradigma.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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