Opinião

A sustentabilidade das comunicações eletrónicas

A sustentabilidade das comunicações eletrónicas

Pedro Mota Soares

Secretário-geral da Associação dos Operadores de Comunicações Eletrónicas

O antigo presidente do BCE Europeu tem destacado que o investimento per capita do setor das comunicações eletrónicas na Europa é cerca de metade do registado nos EUA e que, por essa razão, o velho continente está a ficar para trás no 5G e na fibra. Portugal tem vindo a trilhar o caminho inverso

Os consumidores portugueses sabem que podem contar com as operadoras de telecomunicações, que investiram, nos últimos sete anos, 10 mil milhões de euros para garantirem maior cobertura e qualidade das redes fixas e móveis do país. O que desconhecem é que a sustentabilidade económica do setor que os liga ao mundo pode estar em causa.

Está em curso uma discussão sobre este tema na Europa e é fundamental que seja aberto também em Portugal, até porque temos lido e ouvido algumas considerações erradas. “Equívocos” que prejudicam um setor estratégico e que, se não forem devidamente contrariados, arriscam comprometer o desenvolvimento do país.

Os factos contrariam a retórica negativa prevalecente. Todos os estudos demonstram, por exemplo, que Portugal é líder europeu no que refere à cobertura e qualidade das redes fixas e móveis:

Os 308 concelhos do país dispõem, pelo menos, de uma estação de base com tecnologia 5G, de acordo com a Autoridade Nacional de Comunicações (ANACOM);

98,1% da população dispõe de rede 5G, superando largamente a média da União Europeia (UE), que está nos 89%, segundo o 5G Observatory Report;

94,5% dos lares estão cobertos por redes de alta velocidade, sendo que mais de seis milhões de casas estão cabladas com fibra, como também mostrou a ANACOM;

As redes nacionais, nomeadamente a 5G, têm merecido múltiplas distinções: entre outras, as da MedUX para melhor cobertura, velocidade mais consistente e melhor performance e da OpenSignal para rede móvel mais rápida da Europa.

Esta qualidade foi atestada no contexto mais extremo pelos cidadãos e empresas durante os anos da pandemia, altura em que as redes de comunicações eletrónicas nacionais foram instrumentais para assegurar que ninguém fosse deixado para trás.

Este investimento de dez mil milhões em sete anos foi o que permitiu ao país a velocidade, resiliência e segurança das redes ao dispor dos consumidores. Sim, são os consumidores que estão em causa. Basta ver que o tráfego sobre as redes de telecomunicações cresceu mais de 100% na última década e o número de serviços aumentou cerca de 30%. Todavia, as receitas retalhistas caíram 15% e a receita média por serviço diminuiu 35%.

O esforço de investimento do setor é superior à média da UE. Segundo um relatório do New Street Research, publicado no 4.º trimestre de 2023, o rácio despesas de capital/receitas é de 21,2% em Portugal, acima dos 20,2% de média dos países europeus. E a rentabilidade do investimento realizado pelas operadoras situa-se abaixo da média dos referidos países (7,1% em Portugal vs. 7,7% da média dos 15 países analisados).

Como se não bastasse, os custos regulatórios que impendem sobre as operadoras, especialmente com a ANACOM, têm aumentado incessantemente. Em 2023, o setor pagou mais de 123 milhões de euros de taxas regulatórias à ANACOM, ao Instituto do Cinema e Audiovisual (ICA) e à Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), o que representa um aumento superior a 70% face ao valor de 2010. E para 2025 anuncia-se já um substancial aumento na taxa de atividade a pagar ao regulador setorial.

As taxas de utilização de espetro são igualmente astronómicas. De 2020 para 2023 subiram 24%, atingindo mais de 71 milhões de euros. Igualmente preocupante é que tamanhos encargos se devam à intensificação da utilização do espetro MW (micro-ondas) para levar a rede móvel a zonas remotas, incluindo para cumprimento das obrigações de cobertura 5G, e à atribuição de espetro móvel no leilão 5G.

Tudo isto é contrário ao que tem sido defendido a nível comunitário, designadamente no relatório “Much More Than a Market”, elaborado pelo ex-primeiro-ministro italiano Enrico Letta. O benchmark demonstra que em Portugal as taxas de utilização de espetro, MW ou móvel, são, em geral, muito superiores à média UE. Numa comparação direta, 64% mais elevadas - e o desvio dispara para 102% quando os dados são ajustados ao poder de compra de cada estado.

O relatório Letta é categórico noutro aspeto: a fragmentação do setor das telecomunicações limita a capacidade de investimento, a inovação e a competitividade da Europa face a outros blocos geográficos. Além de explicar que o mercado europeu se tornou pouco apetecível, graças à entrada excessiva de novos players, Letta sublinha que cada operador europeu serve “apenas” 5 milhões de clientes, um número residual face aos 107 milhões de média nos EUA e aos 467 milhões na China.

Essas preocupações foram agora reforçadas por Mario Draghi, que esta semana apresentou um relatório (ao qual voltarei em breve) dedicado à competitividade da Europa e às barreiras estruturais que se lhe colocam, entre as quais, sublinhe-se, as dificuldades na inovação, a urgência da digitalização e o défice de competências da população.

O antigo presidente do Banco Central Europeu tem destacado que o investimento per capita do setor das comunicações eletrónicas na Europa é cerca de metade do registado nos EUA e que, por essa razão, o velho continente está a ficar para trás no 5G e na fibra.

Ora, enquanto Draghi defende a racionalização e harmonização da regulação tendo em vista a consolidação no setor das Telco, Portugal tem vindo a trilhar o caminho inverso, mesmo tendo um dos mais altos rácios da Europa entre o número de operadores e habitantes.

Se a estes dados e tendências somarmos o alarmante fenómeno da pirataria digital, que subtrai à economia portuguesa perto de 250 milhões de euros/ano, estamos perante o cocktail perfeito para um amanhã menos competitivo, próspero e coeso, com níveis inferiores de investimento, em que Portugal deixará de estar na liderança na cobertura e qualidade das redes de comunicações eletrónicas.

A demagogia anti setor das comunicações eletrónicas pode granjear a simpatia de alguns e render likes nas redes sociais ou até uns punhados de votos, mas os factos são o que são. A sustentabilidade é o tema central dos próximos anos – é do futuro que se trata, tratemos dele.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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