Opinião

Kamala ou Madam President

Kamala ou Madam President

Bruno Gonçalves

Eurodeputado do PS, secretário geral da União Internacional da Juventude Socialista

Esta convenção, à semelhança dos momentos célebres da política americana, foi um show

Empatia.

Foi com empatia que a Convenção Democrata se apresentou ao grande público. Durante quatro dias, entre atuações e intervenções, os democratas fizeram questão de demonstrar que estão atentos aos desafios da América e cientes dos problemas do quotidiano – do preço da habitação à inflação. Contudo, não se esconderem de nenhuma das adversidades: afinal, o momentum está do seu lado. De Kamala Harris a Tim Walz, de Barack Obama a Hillary Clinton, a empatia de quem se importa contrastou com a indiferença da campanha republicana. Contra o ódio, esta convenção respondeu com energia positiva, muito amor e muitos protagonistas no feminino. E, se por mais não fosse, o contraste era precisamente aquilo que a candidata Harris precisava.

Harris apresentou-se como filha da classe média, consciente de que o elevador social deixou de funcionar para todos e que o aumento do custo de vida, incluindo da habitação, é a grande preocupação dos americanos. A narrativa foi mais universalista e menos identitária, tocando no bem-estar e nas condições de vida de todos, sem que tal tenha sido obstáculo à valorização da potencial eleição histórica de uma mulher, filha de pai jamaicano e mãe indiana. A mãe, todas as mães, aliás, foram figuras centrais deste espetáculo que quis ser pessoal, abrangente e eficaz.

Além das raízes familiares comuns, Kamala Harris é a primeira candidata democrata a Presidente dos EUA que não estudou em nenhuma das elitistas instituições da Ivy League. O mesmo acontece com o seu candidato a Vice-Presidente, Tim Walz. Outrora uma mais-valia, a pertença ao grupo restrito das alma-mater mais prestigiadas é, hoje, desvantagem nesta corrida eleitoral – sintoma de desconexão com a vida na “América real”, onde muitos nem sequer conseguem aceder ao Ensino Superior. E aí, a administração Biden tem vitórias para apresentar: basta relembrar o perdão da dívida estudantil aprovada no último ano.

Kamala representa, portanto, a concretização do verdadeiro “sonho americano”, contrapondo com as origens e práticas milionárias de Donald Trump, muito distantes da vasta maioria do povo americano.

A mesma empatia esteve presente quando o tema foram as mulheres, a sua emancipação, e os seus direitos reprodutivos. Hillary Clinton deu o mote, com um discurso inspirador que marcou o primeiro dia, posicionando os Democratas como únicos aliados das mulheres nesta eleição. Legislar a interrupção voluntária da gravidez a nível federal, como garante do acesso ao aborto em todo o território americano, é a prioridade. Um contraste nítido com a frieza do movimento conservador e do seu “Project 2025”, que tantos retrocessos em matéria social nos prometem ao ponto de se confundirem com uma viagem de volta a 1825.

Foi também com empatia que Joe Biden foi recebido, depois da renúncia à eleição de 2024. Lembrado por todos como homem bom, enaltecido por muitos como Presidente fazedor, respeitado de forma unânime pelo seu compromisso enquanto pessoa que “ama o seu trabalho, mas que ama ainda mais o seu país”. Biden tem a energia da proximidade e, com o seu humilde recuo, todas as críticas idadistas a Biden são agora remetidas em direção a Donald Trump, cuja eleição o tornaria o Presidente-eleito mais velho da história americana.

Não há necessidade para rodeios: a convenção correu bem a Kamala Harris, que parte agora para dois meses e meio de campanha com uma maior notoriedade nacional e um ímpeto reforçado para o grande confronto com Trump. O seu discurso foi eficaz e eficiente. Satisfez a sala ao falar de Gaza e da Palestina – naquele que, noutros tempos, seria um improvável momento feliz – e cumpriu em manter o fôlego e em motivar as tropas democratas para o combate que será a campanha.

No demais, esta convenção, à semelhança dos momentos célebres da política americana, foi um show. Os momentos em crescendo do primeiro ao último dia; a alegria genuína e os pelos arrepiados nas bancadas sempre cheias; os intervalos para as atuações de artistas que uniam a sala, ora em uníssono ora em histeria. Tudo aquilo que os Democratas queriam que fosse: bem americano, bem patriota, e muito humano. Faz-nos, porventura, relembrar que a política precisa de pessoas e de histórias reais. Precisa de ser inspiradora para que os mais e menos jovens se inspirem nela e para que a utilizem como ferramenta na construção de uma sociedade melhor para todos. Precisa de ser próxima e genuína.

Assim, se a crença na vitória do primeiro dia era palpável, no último dia tornou-se inabalável. Mas, para isso acontecer, há que cumprir a célebre frase que Barack Obama voltou a repetir: “Don’t boo, vote”. Afinal, no jogo da democracia, aquilo que conta mesmo é ganhar nas urnas.

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