Opinião

O “Cara de Pau” Maduro

O “Cara de Pau” Maduro

Luís Correia

Mestre em Relações Internacionais pela Universidade de Wroclaw, Polónia

Em 2024, a Venezuela encontrou-se mais uma vez no epicentro da turbulência política à medida que se desenrolava uma polémica eleição presidencial. A história recente do país de disputas eleitorais e alegações de prevaricação preparou o terreno para o que se tornaria uma época eleitoral ferozmente contestada e globalmente escrutinada

Nicolás Maduro, o presidente em exercício, pretendia garantir outro mandato, apesar das crescentes alegações de governação autocrática e de corrupção desenfreada durante os seus anos anteriores no poder.

A sua administração esteve sob intenso escrutínio internacional por violações dos direitos humanos e má gestão económica, levando a crises generalizadas, incluindo hiperinflação, escassez de alimentos e medicamentos e emigração em massa.

No entanto, Maduro manteve um forte controlo sobre o aparelho político do país, exercendo uma influência considerável sobre as instituições judiciárias, militares e eleitorais.

As forças da oposição, fragmentadas, mas determinadas, reuniram-se em torno de uma nova figura decorativa, desafiando a continuação do governo de Maduro. Esta coligação de oposição representava um amplo espectro de ideologias unificadas por um objetivo comum: restaurar as normas democráticas e enfrentar as calamidades humanitárias que assolam a Venezuela. Contudo, o caminho para uma eleição livre e justa estava repleto de obstáculos.

Antes das eleições, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE), muitas vezes criticado pela sua parcialidade em relação a Maduro, declarou inelegíveis vários candidatos da oposição, citando várias alegações e aspetos técnicos e jurídicos.

Muitos consideraram estas desqualificações como manobras com motivações políticas para enfraquecer as hipóteses da oposição. Além disso, o panorama mediático era predominantemente controlado pelo Estado, criando condições de concorrência desiguais que limitavam severamente a capacidade da oposição de fazer campanha eficaz e de chegar aos eleitores com narrativas alternativas.

As táticas de intimidação e a alegada supressão dos eleitores tornaram-se predominantes à medida que se aproximava o dia das eleições. Surgiram relatos de grupos apoiados pelo governo que usavam a coerção para influenciar os eleitores, especialmente nas zonas rurais e empobrecidas, onde o desespero tornava muitas vezes as pessoas mais suscetíveis à manipulação.

Aliás, os observadores eleitorais internacionais enfrentaram restrições significativas, tendo sido negado o acesso a muitos ou monitorizados de perto, levantando novas suspeitas sobre a transparência do processo eleitoral.

No próprio dia das eleições foram documentadas irregularidades generalizadas. Os sistemas de votação eletrónica registaram avarias misteriosas e foram relatados vários casos de preenchimento de votos.

Inclusivamente, registaram-se casos de intimidação de eleitores nas assembleias de voto, onde circulavam livremente grupos armados alegadamente leais ao titular do cargo. Os números da participação, anunciados pela CNE, foram recebidos com ceticismo por parte dos observadores nacionais e internacionais, que levantaram preocupações sobre a sua exatidão.

“Ganhou” a fraude, perdeu a liberdade e a democracia

Logo após as eleições, Nicolás Maduro foi declarado vencedor, provocando protestos em massa e agitação civil em todo o país. A coligação da oposição rejeitou os resultados, alegando que as eleições foram marcadas por fraude e exigindo uma nova disputa sob supervisão internacional. Os confrontos entre os manifestantes e as forças de segurança provocaram numerosos feridos e detenções, realçando as profundas divisões sociais e a crescente frustração entre os venezuelanos.

Internacionalmente, as reações foram mistas. Algumas nações, especialmente os aliados de Maduro, reconheceram rapidamente os resultados eleitorais, enquanto outras, incluindo os Estados Unidos e vários países europeus, condenaram o processo e apelaram a sanções.

A Organização dos Estados Americanos (OEA), juntamente com outros organismos internacionais, manifestou sérias preocupações e apelaram ao diálogo imediato para fazer face à escalada da crise.

As polémicas eleições de 2024 na Venezuela sublinharam a complexa interação entre poder, política e democracia numa nação devastada por anos de instabilidade. Para muitos venezuelanos, a esperança de uma mudança significativa parecia distante, com a elite política entrincheirada a manter o seu controlo no poder, apesar do descontentamento generalizado. A comunidade internacional manteve-se vigilante, uma vez que os resultados destas eleições tiveram implicações significativas para a estabilidade regional e para a luta mais ampla pelas normas democráticas na América Latina.

Maduro está agarrado ao poder: para onde se dirige a Venezuela?

Estas eleições serviram como um lembrete claro dos desafios enfrentados para garantir processos democráticos livres e justos em ambientes onde a dinâmica de poder é fortemente distorcida. O futuro da Venezuela permanecia incerto, com o seu povo apanhado no fogo cruzado das maquinações políticas e ansiando por uma aparência de normalidade e governação que representasse verdadeiramente a sua vontade.

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