O 'New York Times' só mentiu sobre Biden?
Os media esconderam do eleitorado informação altamente relevante sobre a aptidão mental do seu Presidente, contribuindo para que ninguém estivesse em condições de desafiar Biden numas primárias
Membro da Comissão Central de Controlo do PCP e responsável pela Comissão para os Assuntos Económicos
Os media esconderam do eleitorado informação altamente relevante sobre a aptidão mental do seu Presidente, contribuindo para que ninguém estivesse em condições de desafiar Biden numas primárias
A mesma pergunta pode ser feita sobre outros órgãos mediáticos de referência nos e dos EUA, como o Wastington Post, a Time, a CNN, etc., que também são bíblias para a comunicação social portuguesa e europeia. É por isso que é muito interessante e bastante pedagógica a leitura de textos e comentários que vão sendo produzidos sobre a inspiração do Debate Biden/Trump. E em muitas vertentes. E não são somente contradições, esquecimentos e vontade de apoiar Biden... Pesam os preconceitos e a incapacidade política-ideológica em termos de opinião, posicionamento e teses para ultrapassar a cartilha ou matriz da Comunicação Estratégica norte-americana. Que lhes é próxima.
Na abordagem de JPTF, “Aparentemente, tudo isto foi uma surpresa para o Partido Democrata e para a imprensa que lhe é próxima, o que também é extraordinário (de facto!). A Casa Branca negava – e nega – qualquer limitação de Joseph Biden para o exercício do cargo. Bem ou mal, faz o seu papel. O mesmo não se pode dizer da imprensa americana mais séria e (em princípio) credível. Até ao debate de 27 de Junho, a ideia com a qual ficavam os leitores do New York Times, do Washington Post, da Time, ou de outros media próximos da área política do Partido Democrata, como a CNN, é que não existia um problema com Joseph Biden. Textos ou imagens que regularmente apareciam noutros media (por exemplo, no website The Hill ou no Wall Street Journal) e mostravam debilidade e limitações físicas e mentais de Joseph Biden eram desvalorizados ou atacados. Seriam apenas propaganda dos seus detractores do Partido Republicano, sem base factual. Seriam fake news ou imagens manipuladas para denegrir o Presidente. Isso ocorreu, de facto, em vários casos. Mas não era a história toda. Qualquer observador imparcial da política dos EUA podia detectar as limitações do Presidente Joseph Biden em múltiplas aparições públicas (cada vez mais notórias). Mas tudo mudou após o debate de 27 de Junho. Muitos dos comentários mais ácidos sobre a sua inaptidão para derrotar Donald Trump surgem agora nos mesmos media que negavam o problema (ou subvalorizavam a gravidade deste). Subitamente, foram publicados inúmeros editoriais e artigos de opinião apelando à sua desistência a favor de outro candidato(a) mais capaz de derrotar Donald Trump. A pergunta incómoda é esta: por que razão isso não foi feito pelos democratas e pelos media próximos há um ano (ou no início de 2024), quando se iniciaram as primárias e era bem mais simples efectuar a escolha de outro candidato e preparar a campanha? Seja qual for a resposta, não foi por falta de informação factual?” (1) Pergunta verdadeiramente incómoda mas muito esclarecedora.
Outros articulistas também não se esqueceram de questionar os media mesmo se depois não tiram todas as conclusões, a que se junta uma absolvição de outros agentes políticos face à situação, como o Partido Democrático e os seus dirigentes, funcionando os media como bode expiatório. Ou mesmo admitindo possíveis pulsões “suicidárias” das entidades políticas! LAC, por exemplo, escreve: “É impossível que os órgãos de comunicação social, com o acesso que têm à Casa Branca não soubessem do declínio de Biden. É impossível que não saibam que quem está a governar os EUA não é ele.
Esconderam do eleitorado informação altamente relevante sobre a aptidão mental do seu Presidente, contribuindo para que ninguém estivesse em condições de desafiar Biden numas primárias. Esta constatação é grave e alimenta com razão, as narrativas de desconfiança em relação à comunicação tradicional.” (2) Ai alimenta, alimenta… Mas que dizer do Partido Democrata? É um verbo de encher?
MJM, pelo menos assume com clareza o seu erro: “Verdade: os relatos e os rumores do estado mental e cognitivo de Joe Biden circulavam há muito. Nas últimas semanas viram-se vídeos (o prestimoso NYT correu a chamar-lhes “enganadores”) das comemorações do Dia D e da Cimeira do G7 onde Biden parecia não perceber para onde dirigir a sua atenção, sentando-se quando não era para sentar, saindo quando não era para sair. Porém, mantive-me em negação. Sendo a Internet mestra em mostrar só os pedaços convenientes da realidade e descontextualizá-los, supus os rumores manifestamente exagerados. Afinal, era mais credível a maldade da Internet, pródiga em criar narrativas falsas, do que o Partido Democrata insistir em candidatar contra Trump um político sem força física nem sageza mental. Vejo agora que foi wishful thinking meu, contudo custa-me sempre a acreditar quando as pessoas se embrenham em comportamentos altamente lesivos para os próprios. Às vezes não contamos com pulsões suicidárias e de autoboicote alheias.” E prolonga a sua análise: “Porém aquele debate e aqueles dois candidatos levantam questões mais fundas do que a capacidade de vencer de Biden». E insiste na questão: “(...) quem afinal toma decisões na Casa Branca. (Biden não é certamente). Ou ainda, da mentira dos democratas sobre a saúde e a capacidade de Biden”. Mas também pergunta: “E por que carga de água a comunicação social dita séria iludiu a incapacidade de Biden?” (3). E esta é a pergunta do milhão de dólares.
CFA, por seu lado, fala do papel coadjuvante de um “jornalismo moribundo e de fação, que não hesita em deturpar para sobreviver”, na fabricação de Trump pelos “poderes planetários” aliados ao dinheiro de “Wall Street”, às indústrias do petróleo, telecomunicações e armas e aos patrões das Grandes Tecnológicas (Musk, Thiel, Bezos, Zukerberg...). Mas não esclarece o papel desse “jornalismo moribundo e de fação” na ocultação do estado de Biden. Como se deixou passar a ideia de que o “velho guerreiro” estava com o juizinho todo? (4)
Para MST, a razão de todas as desgraças são as redes sociais, que “ocuparam o centro da informação dita de referência e o discurso político”. E os media pouco fizeram, acabando por sucumbir ao seu encanto: “O método terrorista de avanço (das redes sociais) encontrou, para lhe fazer frente, umas ténues tentativas de resistência jornalística, como os fact check, por exemplo, antes de, na maioria dos casos, se render à onda avassaladora de dar ao público – ao público das redes sociais – aquilo que o público e não os jornalistas (???), entendia ser notícia. E, do lado dos políticos, adaptar-se ao discurso das redes sociais e às suas exigências tornou-se tão importante como seguir a evolução das sondagens”. (5) Ou seja, para MST a resolução dos problemas intrincados das eleições presidenciais nos EUA, e Biden derrotar Trump, travar a degradação da democracia e impedir “danos colaterais causados à gramática”, e muitos mais prejuízos no mundo, e etc., é muito fácil: acabar com as redes sociais, ou pelo menos pôr a mandar nelas, ao seu comando, a Impresa, o Expresso e a SIC, e o Dr. Pinto Balsemão!
Em geral, todos deram pouca atenção a outras notícias que na onda do debate foram chegando. E que só mostram a evidente e total cumplicidade dos ditos media de referência com o capital que os dirige e as distorções causadas pela “fação” (CFA dixit!) a que prestam vassalagem. Por exemplo, o Público de 08JUL24, em texto sob o título: “Entrevistas de Biden após o debate com Trump tiveram perguntas combinadas”, informa-nos que o canal CNN noticiou que pelo menos duas entrevistas feitas (a Biden) após o debate com Donald Trump incluíram “perguntas recomendadas.” Segundo a mesma notícia, “Apesar de poder suscitar problemas éticos, este tipo de perguntas combinadas são habituais nos EUA, quando os candidatos são entrevistados nessa qualidade – durante uma campanha eleitoral – por entrevistadores que não são jornalistas.” Mas, acrescentou-se também, que no canal ABC News, “não há nenhuma indicação de que houve perguntas combinadas” enquanto no WVEC (canal de televisão da Virgínia) “Trump desmarcou uma entrevista à ultima da hora, um dia depois do debate, porque a estação se recusou a enviar-lhe as perguntas antecipadamente.” (5) Boa vai ela...
Julgo que ninguém tem dúvidas que os media da “fação” Trump, não tendo, ao que parece, os títulos de referências históricas e presentes, gloriosas, como os da “fação” Biden (NYT, WP, T, CNN,…), tem comportamentos jornalísticos, mediáticos, inteiramente semelhantes! Isto é, não terão nenhum escrúpulo ético, profissional, deontológico, etc., em ocultar, esconder, manipular, mentir se necessário for aos seus leitores, ouvintes, telespectadores, desde que tal sirva a “fação”, seja importante para apoiar o partido político em que se revê a direcção do órgão de informação. Mas como é que isto se coaduna com o regime modelo da “democracia liberal”? Mas se isto é assim com Biden e com Trump, será diferente quando esses órgãos noticiam, informam, comunicam sobre as políticas de Biden e Trump nos EUA e no Mundo? Que credibilidade podem ter esse órgãos quando falam da Ucrânia e da Rússia? Quando falam de Israel e da Palestina? Terão algum pejo em ocultar, mentir, desinformar, se tal servir as orientações políticas de Biden e do seu Governo? Se são capazes de dizer que Biden está bom da cabeça quando não está, o que pode impedir que mintam sobre o conflito e a guerra na Ucrânia, sobre a sabotagem do NordStream I e II, sobre o que dizem a propósito de Israel sobre a Faixa de Gaza, sobre o que dizem sobre o Irão, e sobre a Síria ou a Venezuela… se tal corresponder à Comunicação Estratégica da Secretaria de Estado. Como, aliás, escreveram e noticiaram sobre as armas de destruição maciça de Saddam Hussein no Iraque,… E sabendo tudo isto, como é possível que a comunicação desses órgãos sirva de fonte para tantas notícias e comentários nos media nacionais? Pelo menos um canal de notícias televisivo (a CNN/TVI) segue à risca a corrente noticiosa da empresa-mãe, CNN! Que consolidação, verificação, “checking” é feito das notícias com essa origem? Vão ao Polígrafo da SIC? E que conclusão tiram os nossos comentadores da “destruição” da isenção, da objectividade, da verdade mediática desses órgãos? Onde param os seus “créditos reputacionais”? Serão capazes de confessar que só agora, com o debate Biden/Trump, descobriram as fraudes que muitos desses órgãos divulgam? E que ilações tiram sobre as consequências da sua qualidade noticiosa, jornalística, com e sem livro de estilo, com e sem provedor do consumidor, para o “regime democrático” nos EUA? E o que pensam sobre os nossos correspondentes e congéneres órgãos de informação, da comunicação social dominante, dita de referência? Será que são diferentes? Sem facciosismos e preconceitos, assegurando uma cobertura plural e isenta dos agentes e entidades políticas portuguesas, alheios a diferenças políticas e ideológicas, à excepção das que não cabem na Constituição da República? Em particular nos períodos e campanhas eleitorais? Ou, pelo contrário, respeitam e valorizam a diversidade política e ideológica?
É difícil acreditar em tal. Basta ver como reagiram alguns órgãos, já no pós-debate, durante e após a Cimeira da NATO, em que se celebraram os 75 anos da organização, fundada em 1949, com a ditadura portuguesa como seu membro fundador, para combater a dita “ameaça” do comunismo e impor o domínio dos EUA.
Hesita-se em saber o que dizer e fazer. Depois de tudo a que se assistiu, e escreveu, inclusive nalguns desses próprios órgãos nacionais, ainda houve e há quem jure pelo S. Luís Rei de França que a cabecinha do Trump está fina que nem um alho… Custa a acreditar que alguém, em Portugal, escreveu isto: “Parece que a cimeira da Nato era um teste à sanidade do Presidente dos EUA. Se era, passou-o com distinção. (caramba, vai para o Quadro de Honra!) Aliás, há algo de profundamente incómodo quando se vê senadores, patrocinadores, dirigentes e patrocinadores de Biden a pedir-lhe que desista. Incentivaram-no e deixaram-no chegar até aqui para agora o humilharem? Se alguém se sente em melhores condições de vencer Trump, chegue-se à frente. Caso contrário, cale-se! (7) (Ao que nós chegamos: fazer isto ao velhinho, ao “velho guerreiro”! Notável! O que vão dizer CFA, LAC, MM depois de dizerem o que disseram sobre o homem no mesmo órgão de imprensa!)
Mas o Público não quis ficar atrás. Depois das escritas de JPTF, MJM, LAC, na 5.ª feira, 11JUL24, escreve na manchete fotográfica da 1ª página “NATO Biden passa no “teste físico” e Portugal anuncia maior investimento”, a encimar grande fotografia de Biden e Montenegro a rirem a bandeiras despegadas, face ao sorriso, satisfeito ou enigmático, do Secretário-Geral da NATO, certamente causado pela “pequena gafe” de Biden de chamar Putin a Zelensky. Este Presidente é um brincalhão… E a notícia da jornalista em Washington, Rita Siza, cujo título repete a 1ª página, “Joe Biden passa no “teste físico” (...)”, é uma delícia: “O Presidente norte-americano “passou” no primeiro teste, na terça-feira, proferindo um discurso enérgico e muito aplaudido na cerimónia comemorativa do aniversário da assinatura do Tratado do Atlântico Norte, onde garantiu que com o “apoio total e colectivo” dos aliados, “a Ucrânia pode e vai deter Putin”. A Rússia não vai prevalecer”, prometeu. (Tal como as portas do inferno não prevalecerão contra Biden! Digo eu). Mas vale a pena transcrever ainda o parágrafo seguinte: ”Ontem, antes de se fecharem para a primeira reunião do Conselho do Atlântico Norte, os aliados puderam mais uma vez constatar a boa forma de Joe Biden, saltitando nos degraus, repetindo sinais de vitória com os dedos e o punho cerrado, e respondendo com humor aos cumprimentos dos líderes à chegada ou antes da tradicional foto de família.” Se tudo isto não fosse imensamente confrangedor, devíamos rir e rir muito (como Biden e Montenegro): e, então, no teste “mental” também passou? O teste “físico” foi “saltitar” nos degraus, ou levantar “os dedos e o punho cerrado”? O que fazem as aspas em “teste físico” e em “passou”? Valha-nos….
É uma pena, lamentável mesmo, que dirigentes e figuras destacados do Partido Democrata, congressistas, membros da Câmara dos Representantes, a Sr.ª Pelosi (antiga líder da Câmara) e destacados activistas das necessárias doações, como o actor George Clooney, e notáveis doadores como Abigail Disney, etc., não leiam a imprensa portuguesa. Ficavam logo convencidos. Que é quem conhece bem o Biden… Mas nada de aflições, a Teresa de Sousa vai certamente fazer chegar toda a informação, testes e exames, e declarações em papel selado de comentadores portugueses, sem ser pelos CTT, antes por mão própria, a garantir a saúde mental de Biden! Temos muitos bons psicólogos e psiquiatras! Valha-nos deus!
PS: este texto foi escrito antes do conhecimento do atentado contra Donald Trump, em comício eleitoral.
(1) João Pedro Teixeira Fernandes (JPTF), “2024: o ano da distopia nos EUA”, Público, 08JUL24.
(2) Luís Aguiar-Conraria (LAC), “Uma sociedade demente”, Expresso, 05JUL24.
(3) Maria João Marques (MJM), “O pânico justifica-se”, Público, 03JUL24.
(4) Clara Ferreira Alves (CFA), “Os sinos dobram por nós”, Expresso, 05JUL24.
(5) Miguel Sousa Tavares (MST), “O triunfo dos ressabiados”, Expresso, 05JUL24. É bom que se diga que se partilham muitas das preocupações de MST com os efeitos das redes sociais, nomeadamente na degradação da democracia. Mas também resulta da história próxima e do que corre no presente, que colocar todas as responsabilidades e culpas em cima das redes sociais é manifestamente exíguo. Ao correr da pena, é esquecer por exemplo o papel do dinheiro, particularmente visível nas eleições norte-americanas, na corrupção, subversão e distorção democrática dos actos eleitorais. É esquecer o papel dos órgãos de comunicação social dominantes, caso das centrais/agências de informação (Thomson Reuter, Associated Press (AP), Agence France Press (AFP), EFE, …) na manipulação passada e presente das massas eleitorais (os comunistas, seus alvos, que o digam!). É esquecer os limites económicos, sociais, culturais e ideológicos da “democracia burguesa” (outros chamar-lhe-ão “democracia liberal”!) e do funcionamento dos seus órgãos e instituições do sistema democrático, assentes numa sociedade de classes, dominada pelo capital, marcada por profundas desigualdades económicas e sociais. Além do mais é notável, natural mas notável, esta preocupação por parte de MST e de outros jornalistas e comentadores e articulistas dos media portugueses (imprensa escrita, rádio, televisão) que há décadas determinam, conformam o pensamento dominante (e único), económico, político, ideológico e partidário (alguns diriam pensamento “mainstream”) tendo como referentes os quadros ideológicos neoliberais, a “ideologia comunitária”, isto é, a que tem suportado a integração capitalista europeia, ou a simples replicação de correntes mediáticas do imperialismo. O “Expresso” onde escreve MST, é um caso de estudo!
(6) Notícia de Alexandre Martins, Público, 08JUL24.
(7) Henrique Monteiro (HM), “Os dias que me ocorrem - Biden e Nato”, Expresso, 12JUL24.
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