Europa a mais
Para ser eleita, Von der Leyen promete mais do que pode, muito mais do que deve e, ainda assim, inevitavelmente menos do que cada um quer
Consultor em Assuntos Europeus
Para ser eleita, Von der Leyen promete mais do que pode, muito mais do que deve e, ainda assim, inevitavelmente menos do que cada um quer
Uma das principais características da União Europeia (UE) é a diferença entre as instituições lá e cá. Em Bruxelas, Parlamento Europeu e Conselho Europeu (os Estados) têm ideias muito diferentes do que a Europa deve ser. Independentemente dos partidos num e noutro coincidirem. O Conselho Europeu quer que a União Europeia seja o que os Estados sozinhos não conseguem ser. E que não seja muito mais que isso. O Parlamento Europeu quer que a União Europeia seja tudo o que os Deputados gostavam que a Europa fosse. Com frequência coisas contraditórias. Por estes dias isso é manifestamente evidente. E vai ser complicado.
No mesmo dia em que elegeram António Costa para Presidente do Conselho Europeu, decidiram propor Úrsula Von der Leyen para presidente da Comissão Europeia, escolheram Kaja Kallas para vir a ser Alta Representante da União Europeia para a política externa e concordaram que Roberta Metsola seria eleita presidente do Parlamento Europeu (PE) pelos deputados, os Chefes de Estado e de Governo também aprovaram a Agenda Estratégica europeia, uma espécie de lista de prioridades que gostavam de ver incluídas no próximo programa de trabalho da Comissão Europeia. Em oito páginas, das quais cinco verdadeiramente programáticas, os governos da EU listam as suas principais prioridades. Na construção deste texto, cada palavra conta e é negociada até à aprovação por unanimidade. Daí serem tão poucas, tão generalistas e restringidas ao essencial. No Parlamento Europeu passa-se exactamente o contrário. E isso ajuda muito a perceber como a Instituição funciona. E a Europa.
Antes de ser votada, na próxima quinta-feira, Ursula Von der Leyen reuniu com os grupos políticos para ouvir as suas prioridades. À excepção do PPE, o partido da própria presidente, os restantes apresentaram cada um o seu programa, o seu caderno de encargos, do qual fazem depender o voto favorável à sua eleição. Há, porém, aqui alguns problemas.
Como são precisos votos de vários grupos, pelo menos dos Populares, Socialistas e Liberais, mas provavelmente também dos Verdes e de alguns Conservadores, as contradições que saem deste somatório de desejos é enorme. Por culpa do Parlamento. Como cada um apresenta o seu, e não há um documento comum do PE, como há no Conselho, todos pedem tudo. Inclusive o que não faz sentido a Europa fazer, o que o Conselho nunca aceitaria que a Europa fizesse e o que qualquer avaliação de impacto recomendará que não se faça.
Com efeito, lendo as listas de desejos dos diferentes grupos políticos sentados no Parlamento Europeu, há aquilo que a Europa pode fazer, o que deveria, e o que seria justificado se a União Europeia fosse um Estado, que não é. E, em vários temas, propostas opostas. A todas Von der Leyen disse mais ou menos que sim.
Daqui resulta que para ser eleita (e com o voto secreto até pode acabar por não ser), Von der Leyen promete mais do que pode, muito mais do que deve e, ainda assim, inevitavelmente menos do que cada um quer. A diferença entre o que pensam e pedem os mesmos partidos quando estão no governo e quando estão no Parlamento Europeu é clara. A insatisfação, consequentemente, é garantida.
O facto de as regras e procedimentos democráticos na União Europeia não serem iguais às regras e procedimentos das democracias nacionais não os faz nem torna menos democráticos. São, ou deviam ser, mais adequados ao modelo institucional europeu, que pede cooperação, compromisso e subsidariedade (uma coisa de que em Bruxelas se lembra pouco e o Parlamento, em particular, se esquece muito). Ou seja, na União Europeia o poder distribui-se entre Instituições, não há maiorias nem coligações e tem de haver compromissos. Mas se o Parlamento insistir em incluir todas a suas prioridades ideológicas, enquanto o Conselho Europeu se resume às prioridades nacionais compatíveis, vai haver mais Europa do que deveria, menos coerência do que seria necessário, e menos acordo do que seria desejável para que a União Europeia fosse um encontro de Estados e não um Estado alternativo. E quanto mais promete e menos entrega, mais a Europa corre o risco de perder adeptos. Escusadamente.
PS: Quinta feira saberemos se Úrsula Von der Leyen é eleita. Pode não ser. O problema é que se o pretexto for programático, não é possível fazer acordos com mais ou com outros partidos. Serão os mesmos a pedir o mesmo. Se o pretexto é pessoal – há muita gente que não gosta da forma de exercer poder da presidente da Comissão – os Estados terão de encontrar alguém mais suave de quem o Parlamento possa gostar. Será uma derrota dos Estados perante o Parlamento Europeu. A maior de sempre e nada inconsequente.
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