Portugal vai ser uma nação espacial?
Portugal está a desenvolver uma trajetória que possibilitará a sua inclusão num clube restrito de países com programas espaciais de relevância estratégica e económica
Professor da Escola de Engenharia da Universidade do Minho
Portugal está a desenvolver uma trajetória que possibilitará a sua inclusão num clube restrito de países com programas espaciais de relevância estratégica e económica
A Agência Espacial Portuguesa (PT Space) celebrou há poucos meses os 30 anos do lançamento do PoSat-1, o primeiro satélite nacional. A sessão trouxe uma dose forte de nostalgia por esse pioneirismo e sucesso, mas que não teve a continuidade que seria de prever nos anos seguintes. O PoSat-1 foi lançado a bordo do voo 59 da Ariane 4 na madrugada de 25 de setembro de 1993, a partir de Kourou, na Guiana Francesa.
Essa ocasião fez despontar uma geração que sempre considerou possível a participação nacional em programas espaciais. Em paralelo, Portugal encetou as negociações para a sua adesão à Agência Espacial Europeia (ESA), tornando-se o seu 15º Estado-membro de pleno direito em novembro de 2000. Este foi um marco fundamental, permitindo o acesso a projetos e tecnologias espaciais por parte de empresas, instituições de investigação e universidades, sendo o elemento agregador da atividade espacial nacional.
Apesar de uma atividade espacial relevante por parte de atores portugueses, foram necessários 30 anos para que um novo satélite fosse agora lançado, sendo o precursor de mais dois lançamentos previstos para 2024. O MH-1 foi desenvolvido por um consórcio nacional em cooperação com o MIT, dos EUA, e foi lançado no voo 306 do Falcon 9 operado pela Space X no dia 4 de março de 2024. O MH-1 deu recentemente sinal de vida, enviando as primeiras imagens da Terra produzidas por um satélite de tecnologia nacional.
Os restantes lançamentos previstos para este ano vêm das academias. A 9 de julho de 2024 foi lançado o ISTSat-1, desenvolvido pelo Instituto Superior Técnico, no voo inaugural do Ariane 6 em Kourou, numa dupla efeméride, ao ocorrer com o tão aguardado lançador pesado europeu. No último trimestre, está previsto o lançamento do primeiro satélite da Universidade do Minho, o PROMETHEUS -1, pela Space X.
Adicionalmente aos satélites como elementos integradores de tecnologia, há outras inovações em desenvolvimento que contribuem de forma significativa para o setor, como tecnologias digitais para a gestão e operação de satélites, novos materiais e processos de produção de satélites e instrumentação para observação da Terra e avaliação da atmosfera e também novas tecnologias para pequenos lançadores. É um alinhamento virtuoso com a nova visão internacional para o espaço, denominada por NewSpace.
Como elemento potenciador, as agendas tecnológicas alicerçadas no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) permitiram trazer uma nova ambição ao setor. Além do investimento necessário, garantem a consolidação de competências e a agregação das contribuições da indústria e academia, numa lógica estruturada que possibilita um posicionamento na cadeia de valor internacional do NewSpace, impulsionando o emprego qualificado e a retenção de talento. Projetos como a Constelação Atlântica são um bom exemplo de integração e demonstração de capacidade tecnológica, além do óbvio alinhamento com os interesses nacionais focados no Atlântico.
As agendas que decorrem do PRR focadas no setor espacial permitem consolidar os desenvolvimentos tecnológicos, articular com as academias as necessidades de formação avançada e estruturar a futura participação na nova economia do espaço que está em definição. Adicionalmente, Portugal deve ter um papel ativo e incrementar o seu investimento e proximidade com a ESA. A evolução mostra sinais positivos. Portugal já tira partido de forma muito efetiva do retorno geográfico com valor consistentemente acima dos 100% nos últimos anos. Sendo que estas chamadas a financiamento são competitivas, evidencia um amadurecimento do nosso ecossistema. Os últimos números apontam para mais de 400 entidades registadas e um valor de captura de contratos acima dos 115 milhões de euros desde 2015.
Portugal tem assumido um papel mais relevante neste domínio. A partir de 2019, apostou num novo nível de envolvimento com a ESA, reforçando significativamente a subscrição de programas opcionais daquela Agência. A decisão trouxe oportunidades importantes para a indústria e academia nacionais. No total, o país assumiu um compromisso de financiamento de 102,7 milhões de euros para 2022-2025, quando tinha tido 73,69 milhões de euros subscritos no período 2016-2019. Também em novembro de 2021, em Matosinhos, Portugal organizou e presidiu à Cimeira Ministerial Intermédia da ESA, que deu o mandato àquele executivo para avançar com as orientações estratégicas da Agenda 2025, vertidas num documento denominado Manifesto de Matosinhos.
Em 2025 será realizada a Reunião Ministerial dos Estados-membros da ESA, para definir o orçamento e as prioridades dos próximos anos. Prevê-se a apresentação da estratégia ESA 2040 pelo seu diretor-geral, cujo alinhamento está em curso entre os países membros. E Portugal tem tido um papel ativo neste processo.
Há um novo despertar do setor espacial global que poderá ser um foco de excelência e afirmação tecnológica nacional. Uma estratégia dual e complementar com a ESA é uma visão acertada. Possibilita o desenvolvimento de tecnologia, o seu posicionamento na economia global e, simultaneamente, aproxima o ecossistema nacional dos programas espaciais que só podem ser desenvolvidos na escala das grandes agências espaciais. Portugal está a desenvolver uma trajetória que possibilitará a sua inclusão num clube restrito de países com programas espaciais de relevância estratégica e económica.
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