Opinião

O Síndrome da Avestruz

O Síndrome da Avestruz

Gonçalo Rodrigues

Presidente do Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos

Como é possível, no discurso político, não se perceber que sem uma AT forte não haverá nem estado social, nem justiça, nem educação, nem saúde, nem segurança, nem sequer democracia?

De acordo com dados do Observatório de Economia e Gestão de Fraude, a economia paralela em Portugal representava, já em 2015, aproximadamente 27,29% do PIB. Precisamente nesse ano (2015), por exigência da "troika", foram recrutados mais mil inspectores para a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT). A "troika", composta pela Comissão Europeia, BCE e FMI, com o país à beira da banca rota, não exigiu nem mais professores, nem médicos, nem nenhum outro tipo de trabalhadores na FP, apenas mais inspectores.

Esperava-se, compreensivelmente, uma significativa melhoria no combate à fraude e evasão fiscal. Mas, atente-se nos relatórios oficiais (feitos pelo Governo) respeitantes ao período entre 2015 (ano - recorde-se - do reforço de inspectores na AT) e 2023, para se perceber que isso não aconteceu! Pelo contrário, não só não parámos a sangria como a deixamos agravar. E porquê? Porque esses recursos humanos foram desviados para outras funções e não nos deixam trabalhar! Repare-se que foi através do próprio relatório do ano 2023, divulgado recentemente, que soubemos que a IGF sugere, que a AT crie um plano de acção integrado para o controlo de arrendamentos! Então é necessário ser a IGF a alertar para algo tão óbvio?! Os sindicatos têm alertado para esta e muitas outras evidencias de trabalho que a AT devia fazer e não faz. Certo é que em parte isso é justificado pela falta de recursos humanos e materiais, mas não só. A realidade é que em vez de ajudar os inspectores e gestores tributários e aduaneiros a fazer o seu trabalho a AT tem criado mecanismos e regras que prejudicam e dificultam esse trabalho.

Em meados do ano passado foi notícia que a economia paralela em Portugal bateu novo recorde no peso do PIB. Um estudo da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, tendo por base um artigo científico e dados actualizados, conclui que o peso da economia não registada no PIB deverá ter atingido um novo recorde de 34,37% em 2022, o correspondente a 82.232 milhões de euros. Quanto tempo levará a atingir os 100 mil milhões?

Como é possível, no discurso político, não se perceber que sem uma AT forte não haverá nem estado social, nem justiça, nem educação, nem saúde, nem segurança, nem sequer democracia? Com o mundo em guerra, a classe política parece também querer criar um conflito interno com os inspetores e gestores tributários e aduaneiros. O BCE, o FMI e a Comissão Europeia, aparentemente, tinham uma visão distinta da importância deste sector específico do Estado. Reis e imperadores, desde o princípio da história, também.

Há anos que venho alertando para a total destruição da Autoridade Tributária e Aduaneira e, no seu seio, sobre a questão premente das suas funções de autoridade.

As funções de autoridade na AT têm múltiplas vertentes e são executada, ou deveriam ser, a vários níveis, pelos seus trabalhadores das carreiras especiais inspectivas, desde logo na fronteira externa da União Europeia!

Em Dezembro de 2022, numa carta-aberta, alertei o Sr. Primeiro-Ministro para o facto do Governo permitir que a AT coloque inspectores do Estado português a executar funções que nada têm a ver com o seu conteúdo funcional, desperdiçando recursos públicos.

A verdade é que o Governo anterior desvalorizou as carreiras especiais quando comparadas com as carreiras gerais e delapidou a autoridade da AT aos olhos da sociedade. Pergunta: O que vai fazer o actual?

De norte a sul do País, embora de forma mais recatada, por razões profissionais, dirigentes e trabalhadores vêm avisando, de forma insistente, para um desfecho cada vez mais inevitável: O colapso da AT!

O actual Governo vai continuar a fingir que está tudo bem, como fez o anterior? Ou está a classe política governativa finalmente disposta a ouvir quem sabe, quem tem experiência no terreno e décadas de trabalho acumulado no combate à fraude e evasão fiscal, à criminalidade económica e à corrupção?

A verdade é que, apesar dos alertas, a justiça fiscal é cada vez menor em Portugal. Sem justiça fiscal é impossível existir justiça social. Até quando vão os partidos que nos governam enterrar a cabeça na areia e continuar a ter uma AT em conflito, instável e desmotivada?

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

Comentários
Já é Subscritor?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate