Volvidos pouco mais de 40 dias da tomada de posse do XXIV Governo Constitucional, interessa analisar, na saúde, o legado recebido, as perspectivas e as inquietações, particularmente perante um Verão que se aproxima, inexoravelmente, representando sempre um teste de resistência para o Serviço Nacional de Saúde (SNS) – e para o sistema como um todo – ano após ano.
Manuel Pizarro deixou a pasta da saúde e se, inicialmente, se aventou que a criação da Direcção Executiva do SNS poderia, de alguma forma, protegê-lo na prestação de contas e esclarecimentos, acabou antes por eclipsá-lo e, apesar de se ter previsto abertura ao diálogo, sai parcamente com um acordo com os médicos assinado apenas por um dos sindicatos e muitos problemas de fundo do SNS por resolver. Já Fernando Araújo, primeiro CEO do SNS, pediu a demissão, sem surpresas, perante algumas divergências com a linha estratégica do novo governo, mas deixa legado: destaque para o simplex iniciado na saúde, com a autodeclaração de doença, a desburocratização na emissão e verificação de “baixas” médicas e ampliação da validade de receitas médicas e de meios complementares de diagnóstico e terapêutica para 12 meses. Para além, claro, da “grande reforma”: a generalização por decreto do modelo de unidade local de saúde (ULS) a todo o país, sem ser, no entanto, conhecida a evidência que fundamentou esta decisão. Trata-se de um modelo de integração vertical de cuidados que, apesar de conceptualmente apresentar vantagens, depende para o sucesso da implementação do contexto local e da cultura organizacional. No terreno, têm sido notadas, nestes primeiros 5 meses de modelo ULS, a secundarização dos cuidados de saúde primários e a complexificação dos circuitos burocráticos e de decisão, claramente em contraciclo com os objectivos iniciais. Entretanto, o Decreto-Lei que extingue as administrações regionais de saúde (ARS) foi aprovado em Conselho de Ministros, mas não promulgado, tendo sido devolvido pelo Presidente da República ao novo governo. Antecipo, por conseguinte, a extinção efectiva das ARS e um possível modelo alternativo às ULS nos hospitais universitários.
Ana Paula Martins, nova ministra da saúde, conseguiu nestes primeiros dias de governação ver aprovada uma medida socialmente relevante: a gratuitidade de medicamentos sujeitos a receita médica para os beneficiários do complemento solidário para idosos. Por outro lado, com o Verão a aproximar-se e perante a situação actual difícil do SNS, nomeou um grupo de trabalho para apresentar um plano de emergência em 30 dias. Este grupo, constituído por 13 peritos – não obstante, nenhum deles médico dos Cuidados de Saúde Primários, o que seria importante – dará seguimento à promessa já elencada no programa da Aliança Democrática de apresentar um “Plano de Emergência SNS 2024-2025, nos primeiros 60 dias do novo Governo”. Certo é que as próximas semanas trarão dois momentos fundamentais para o SNS: o início do processo de negociação excepcional com os sindicatos apontado pelo ministério da saúde para 27 de Maio e a apresentação do supracitado plano de emergência, que ocorrerá a 2 de Junho.