Opinião

A exclusividade de Hermès: acusações por trás da estratégia

A exclusividade de Hermès: acusações por trás da estratégia

Mariana Hazt Lencina

Advogada e Consultora Jurídica na Inventa

Alegadamente, a estratégia da Hermès visa criar uma sensação de exclusividade e escassez em torno dos seus produtos, o que naturalmente eleva os preços

A Hermès enfrentou recentemente acusações de práticas anticoncorrenciais nos Estados Unidos, relacionadas com a notoriedade da marca Birkin.

A estratégia de marketing da Hermès é baseada na ideia do inatingível: não se trata de tornar os seus produtos acessíveis a todos, mas sim de criar um desejo com a possibilidade de alcance para poucos. Isso é evidente nas cobiçadas malas Birkin, que são praticamente impossíveis de encontrar online e raramente disponíveis em lojas físicas.

Para adquirir uma dessas malas, é necessário mais do que dinheiro. A Hermès avalia o valor do cliente para determinar se merece ter o privilégio de comprar uma Birkin. A acusação de antitruste está relacionada a essa prática, onde apenas clientes com um histórico de compras substancial na Hermès têm a chance de serem incluídos na lista VIP de possíveis compradores.

Alegadamente, a estratégia da Hermès visa criar uma sensação de exclusividade e escassez em torno dos seus produtos, o que naturalmente eleva os preços e aumenta a demanda. Essa estratégia é amplamente adotada na indústria da moda de luxo, como é possível exemplificar com a marca The Row, que proibiu o uso de telemóveis e redes sociais nos seus desfiles para manter a exclusividade.

Não se limitando apenas à sua aquisição e baseando-se no histórico de outros produtos da marca, a Hermès cria assim um vínculo com o consumidor, promovendo a lealdade à marca.

Essa venda “amarrada”, objeto da acusação de concorrência desleal, ocorre quando a empresa condiciona a venda de determinado produto à aquisição de outros produtos. A gravidade desta prática, de acordo com a acusação, advém do facto de a exigência não ser vinculativa no ato da compra, mas por meio de um histórico.

A acusação argumenta que essa prática constitui uma estratégia desleal aos meios comerciais, porque os produtos auxiliares não fazem parte do produto desejado. Ainda assim, a aquisição desses produtos adicionais é condicionante ao acesso à mala Birkin, mesmo que inicialmente o consumidor não tivesse a intenção de adquiri-los. Este ponto foi reiterado pela acusação, sugerindo que a empresa estaria a induzir os consumidores para fazer compras adicionais, criando uma relação forçada entre os produtos auxiliares e o acesso à mala Birkin.

A exclusividade advinda do método também sofre críticas, como forma de reforço da função excludente e elitista da indústria fashion mais conservadora.

As reclamações estão fundamentadas na proibição de monopolização de qualquer parte do comércio. A suposta prática de venda “amarrada”, arguida na ação, implica que a empresa detém um poder de mercado significativo sobre os produtos em questão, possibilitando a restrição concorrencial.

Na União Europeia, desde abril de 2023, a Comissão Europeia anunciou o início de inspeções nas instalações de empresas da indústria da moda, sem aviso prévio. A Comissão passou a suspeitar que empresas do setor poderiam estar a violar normas anticoncorrenciais da União Europeia, que proíbem práticas comerciais restritivas (nos termos dos artigos 101.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) e artigo 53.º do O Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (EEE).

A Gucci, parte do grupo francês de artigos de luxo Kering, foi uma das primeiras empresas a ser inspecionada no inquérito. Não houve divulgação por parte de outras empresas do setor de luxo sobre se também foram alvo dessa investigação. Cumpre reforçar que esta foi a terceira investigação relacionada à indústria da moda, desde o início de 2022.

Medidas contra a diluição da marca

Apesar das críticas, a estratégia adotada pela Hermès aparenta reforçar o valor das suas marcas, alargando o reconhecimento através da exclusividade de acesso e contribuindo de forma significativa para o controlo da contrafação de produtos. Adicionalmente, esta abordagem constitui um obstáculo relevante contra a diluição da identidade da marca.

A diluição de uma marca acontece quando a sua capacidade distintiva é mitigada, seja pela conversão em um termo genérico no mercado ou pelos danos causados à identidade e reputação previamente estabelecidas.

No que diz respeito à construção de identidade e reputação, a perceção de indisponibilidade reforça no consumidor a sensação de ser parte de um seleto grupo da sociedade e é através do chamado Marketing de Luxo que estas estratégias se dirigem a um determinado público. Como resultado, a marca e o produto associado a ela ganham valor que geram a perceção de exclusividade e sofisticação na experiência de compra do cliente diferenciado.

Diante das acusações relacionadas com os critérios estabelecidos para a aquisição de produtos, é possível estabelecer uma relação com as estratégias de mercado que envolvem as marcas da Hermès. Desta feita, ao considerar o contexto da diluição da marca, torna-se evidente a importância atribuída à exclusividade e à perceção de escassez na construção e manutenção do valor de uma marca de luxo. Ao adotar uma abordagem que enfatiza a exclusividade e regula a disponibilidade de seus produtos, a Hèrmes não apenas protege a identidade das suas marcas, mas também fortalece a sua posição no mercado de luxo. Da análise do presente caso, cabe recordar que a escassez não se resume apenas a uma estratégia de marketing, sendo também um elemento crucial que contribui para a perceção de valor e reputação associados a segmentos de luxo.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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