Opinião

Novo Governo, regras (ainda) indefinidas

Novo Governo, regras (ainda) indefinidas

José Matos Correia

Advogado, presidente do Conselho de Jurisdição Nacional do PSD

Um Governo deve, na sua composição, resultar de um equilíbrio adequado entre capacidade política e competência técnica. E, a essa luz, parece evidente que, ao menos no que toca aos Ministros que ontem tomaram posse, esse equilíbrio foi atingido

Antecipavam muitos (e, porventura, desejavam alguns…) que, tendo em conta a delicada situação que o País atravessa, a reduzida maioria de que o Governo dispõe no Parlamento e o horizonte de dificuldades que isso necessariamente representa, seria muito difícil a Luís Montenegro constituir uma equipa de qualidade. Enganaram-se, porém. Porque o novo Primeiro-Ministro foi capaz, uma vez mais, de surpreender pela positiva. Como o tinha feito, por exemplo, na construção de uma estratégia política vencedora ou na manutenção do “não é não” face ao Chega.

Julgo que ninguém discordará da ideia de que um Governo deve, na sua composição, resultar de um equilíbrio adequado entre capacidade política e competência técnica. E, a essa luz, parece evidente que, ao menos no que toca aos Ministros que ontem tomaram posse (pois que ainda não é conhecida a lista dos Secretários de Estado), esse equilíbrio foi atingido. E tanto assim é, que as críticas foram muito limitadas e os elogios vieram, inclusive, de sectores políticos da oposição.

Sejam quais forem as envolventes com que se defronte, a dimensão de gestão política é, por natureza, nuclear em qualquer Executivo. Porque dela depende o acerto e coerência na sua actuação. Mas também porque a política apresenta, neste particular, algumas similitudes com o desporto – muitas desafios são perdidos, não pelo mérito do adversário, mas pelos erros não forçados do próprio.

Nos governos minoritários, porém, essa dimensão é ainda mais delicada, por força do permanente “estado de negociação” a que a situação obriga.

Ora, parece-me inquestionável que o núcleo político do novo Governo é muito bem conseguido, agregando pessoas que, para além de possuírem experiência governativa, manifestamente “sabem da poda”.

Por sua vez, é igualmente notório que a competência técnica abunda. Porque os escolhidos têm provas dadas, seja no plano interno, seja até, em muitos casos, no domínio internacional.

É verdade que, como nos ensina a sabedoria popular, e tem sido amplamente referido pelos comentadores, recorrendo á conhecida alegoria dos melões, só o futuro nos dará uma resposta definitiva. Mas, para início, reitero, não está nada mal. Que é muito mais do que se podia dizer de outros Governos, como, por exemplo, o que ontem cessou funções.

Um outro aspecto merecedor de avaliação positiva (e ainda que a lei orgânica do Governo não seja, também, conhecida), prende-se com a sua estrutura e, nela, com a alocação de competências.

Em artigo que aqui publiquei, em Março de 2022, manifestei a minha perplexidade com algumas escolhas feitas a este nível por António Costa, como a retirada da condução dos assuntos europeus da órbita do Ministério dos Negócios Estrangeiros e a colocação do Secretário de Estado respectivo na dependência directa do Primeiro-Ministro ou a entrega da responsabilidade primeira em matéria de gestão dos fundos europeus e do PRR à Ministra da Presidência (coadjuvada por um Secretário de Estado do Planeamento), à qual cabia, ao mesmo tempo, a responsabilidade pela coordenação política do Executivo.

Tanto quanto nos é dado perceber, ambos os erros estão em vias de ser corrigidos, uma vez que parece óbvio que o novo Ministro dos Negócios Estrangeiros, conhecedor profundo (como poucos entre nós), das questões europeias, retomará a tutela dessa decisiva dimensão da acção governativa. E que os fundos europeus ficarão sob responsabilidade do novo Ministro Adjunto e da Coordenação Territorial, também ele com créditos governativos firmados nessa área.

Não posso, ainda assim, deixar de manifestar dúvidas quanto a um aspecto. Refiro-me à agregação, num mesmo departamento governamental, da educação (incluindo o ensino superior), da ciência e da inovação. É que, estando em causa sectores – todos eles - cruciais para o nosso futuro, existem riscos de que o titular da pasta, mesmo tratando-se, como é o caso, de pessoa de inquestionável capacidade e conhecimento, seja ultrapassado pela dimensão hercúlea da tarefa. Mas, cá estaremos para ver. E se necessidade houver de introduzir correcções, não tenho dúvidas de que tal sucederá.

Deixo uma nota, ainda, sobre os discursos do Presidente da República e do Primeiro-Ministro na cerimónia de tomada de posse, que me pareceram, ambos, de bom nível.

O Presidente da República evitou, acertadamente, a lógica dos recados, optando por fazer uma leitura objectiva dos condicionamentos e dos desafios com que o novo Governo tem de lidar – um panorama internacional instável, que pode, inclusive, agravar-se; uma governação económica e social interna que deve concentrar-se em resolver os muitos problemas que existem e em não os gerar, lá onde eles não ocorrem; a necessidade de construir consensos políticos na Assembleia da República, mais previsíveis (leia-se, com o Partido Socialista) nas questões institucionais e estruturantes, e menos previsíveis (isto é, numa possível geometria variável) nas demais situações (incluindo na viabilização orçamental); a urgência de agir e de cumprir compromissos.

Pelo seu lado, o Primeiro-Ministro foi assertivo nas mensagens que deixou. Antecipando o teor do programa de Governo, disse, em termos gerais, ao que vinha. Desmistificou a teoria dos “cofres cheios” que o anterior Governo apregoou. Iniciou o processo de esvaziamento das bandeiras do Chega, anunciando negociações para a construção de uma agenda de combate à corrupção e sublinhando que, em matéria de imigração, não podemos estar, nem de portas fechadas, nem de portas escancaradas. Instou o Partido Socialista a definir se quer ser um partido de oposição democrática ou uma força de bloqueio democrático. Garantiu, da parte do Governo, humildade, espírito patriótico e capacidade de diálogo e exigiu o mesmo das oposições.

A contar de ontem, o jogo começou. Mas as regras estão ainda longe de definidas. Vamos ver, pois, como todos os jogadores se comportam.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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