Opinião

Mais um voto, mais uma voltinha: eleições e o “ambiente” na União Europeia

Mais um voto, mais uma voltinha: eleições e o “ambiente” na União Europeia

Tomás Gonçalves

Jurista e membro do Departamento Jurídico da Associação Último Recurso

Cansado de votar? Então, prepara-te porque o carrossel de eleições de 2024 não vai parar tão cedo. Enquanto se recupera ainda da ressaca provocada pelas eleições legislativas nacionais, o tempo diz-nos que é altura de começar a virar as atenções para outras bandas

O festival democrático deste ano continuará com as eleições europeias que irão dar lugar entre os dias 6 a 9 de junho e há quem diga que vão marcar uma nova era. Imagine-se, o que diria o ano de 2019 se se cruzasse com 2024? A conversa seria longa e confusa, com certeza.

Durante este período entre eleições, a União Europeia (UE) enfrentou desafios que moldaram de forma significativa as vidas das cidadãs e dos cidadãos europeus: a Saúde foi o centro das atenções durante dois anos devido a uma pandemia que assolou a Europa e o mundo; o Ambiente e o combate às alterações climáticas foram estabelecidos como uma prioridade na política europeia; a Segurança também se tornou um tema essencial, à custa da invasão russa à Ucrânia e dos conflitos no Médio Oriente; e como se já não bastasse gerir as implicações destes fatores, todos os dias o mundo apresenta novas crises que necessitam de uma resposta rápida e eficaz, como a crise migratória.

O impacto do voto europeu e o primado do Direito da União Europeia

Para este ano estima-se que mais de 400 milhões de europeus dirigem-se às urnas para, em conjunto, decidir o futuro da União Europeia.

Sendo o Parlamento Europeu a única instituição europeia eleita pelos cidadãos de cada Estado-Membro, o voto significa escolher quem vai atuar em nossa representação. Este poder delegado aos deputados eleitos reflete-se, por exemplo, na aprovação (ou não) de leis e de orçamentos europeus, como também na eleição do Presidente da Comissão - competência esta de extrema importância, dado que a Comissão tem como função defender os interesses gerais da UE e de apresentar e executar legislação e novas políticas.

Por estas razões, a legislação europeia tem um impacto significativo nas leis e políticas que são aplicadas no nosso país e no dia a dia de cada cidadã e cidadão europeu. Esta ideia baseia-se no poder que os Estados-Membros transferem para as instituições europeias dado que cada Estado-Membro atribui à UE competências em determinadas matérias abrindo mão, de certa forma, da sua autonomia. Ainda assim, é relevante notar que esta renúncia de competências é o que sustenta o bom funcionamento de uma comunidade formada por 27 Estados independentes onde a cooperação e a solidariedade imperam há longas décadas e que vem mantendo a estabilidade na Europa.

A lista de competências onde as instituições europeias têm um papel influenciador é extensa, onde, por exemplo, o Ambiente, a Energia, a Política Social, a Liberdade, a Segurança e a Justiça se inserem. Nem todos estes domínios estão atribuídos em exclusivo à UE, o que permite a Portugal ter uma palavra a dizer no momento de legislar sobre certas matérias. Mas existem princípios que todos os Estados-Membros devem ter em conta para assegurar o respeito pela legislação europeia. Um exemplo presente na Constituição da República Portuguesa é o chamado princípio do primado do Direito da União Europeia. Na relação entre o direito europeu e o direito nacional, se ambos entrarem em conflito por apresentarem soluções incompatíveis para determinado problema, Portugal deve escolher a solução oferecida pelo direito europeu, assegurando a preferência pelas leis europeias.

No que ao nosso país toca, a verdade é que temos demonstrado alguma indiferença perante esta influência da UE nas nossas vidas. Isto reflete-se no número de votos verificado nas eleições europeias em 2019: dos mais de 10 milhões de votantes inscritos, apenas 3 milhões de portugueses exerceram o seu direito de voto, resultando numa taxa de abstenção de 68%.

Nas próximas eleições, em junho deste ano, Portugal irá eleger 21 representantes no hemiciclo de 705 deputados do Parlamento Europeu. Alguns de nós já estamos cansados das frases cliché que nos pregam a importância de votar: “Não deixes que outros decidam por ti. Vota e faz a diferença!”. Mas a verdade é que, nestes casos, os clichés são verdade e tendo em conta a taxa de abstenção, devem ser ouvidos. De forma a contrariar o padrão verificado nas últimas eleições europeias, desafio os portugueses a serem mais originais nestas eleições e irem votar, adotando, assim, um cliché que é saudável para a democracia na Europa.

(Des)avanços na política e legislação ambiental

No final de 2019, a Comissão Europeia estabeleceu um novo caminho para as próximas três décadas com a principal meta de tornar a Europa no primeiro continente a alcançar a neutralidade climática até 2050: zero emissões líquidas de gases com efeito de estufa e um crescimento económico dissociado da utilização de recursos.

Desta forma, o Pacto Ecológico Europeu (PEE) tornou-se uma prioridade na política europeia. Como está previsto para cada Estado-Membro, Portugal já começou a adotar medidas que ambicionam ir ao encontro dos objetivos da UE para a Europa: exemplos como a Lei de Bases do Clima ou o investimento de mais de 6 mil milhões de euros na Transição Climática e Digital através do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) são algumas das ações tomadas neste domínio.

Contudo, existem algumas indicações que a prossecução de certas políticas europeias poderão estar em risco no rescaldo destas próximas eleições. Um estudo feito pelo Conselho Europeu de Relações Externas (CERE) mostra que os partidos de direita deverão ganhar maior expressão nas eleições. Baseado nos recentes resultados eleitorais em vários Estados-Membros, incluindo Portugal, existe a possibilidade de, pela primeira vez, surgir uma coligação formada pelos grupos políticos dos democratas-cristãos, conservadores e da direita radical, dando lugar a uma maioria de direita e à diminuição dos votos nos partidos mais ao centro.

Este estudo denominado “Uma viragem acentuada à direita: Previsão das eleições para o Parlamento Europeu 2024”, prevê que isto não só leve a cabo consequências ao nível das políticas europeias no geral, mas em particular nas políticas ambientais, onde a nova suposta maioria se poderá opor a implementar o ambicioso plano de ação da UE para combater as alterações climáticas.

Caso estas tendências se verifiquem, será que teremos um mau “ambiente” para o Ambiente na Europa?

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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