A Europa não é só promessa de paz, também é expectativa de prosperidade. O seu papel na garantia de paz e da ordem no continente nunca, nos últimos 50 anos, terá sido tão importante. Mas a promessa de prosperidade não é menos. É a falta de expectativa que alimenta a desilusão que se traduz em afastamento e adesão a posições anti-europeístas. Coisa que os extremos sabem bem como aproveitar.
Qualquer campanha eleitoral para as próximas eleições europeias tem de começar por Kiev. A guerra da Ucrânia é a questão mais importante para a Europa e os europeus. Mas garantir que a Rússia não determina a ordem e as regras no nosso Continente é um argumento fundamental, mas não o único para mobilizar os europeus. Compreensivelmente, os eleitores têm outras preocupações e desejos. A começar pela economia.
As últimas eleições europeias foram dominadas pelo combate às alterações climáticas e uma ideia fundamental: fazer da Transição Verde uma oportunidade económica. A Europa começaria a transição verde antes de todos os outros, o que lhe permitiria liderar nas indústrias e tecnologias da economia verde. Cinco anos, uma pandemia e uma guerra depois, as contas são outras.
Os agricultores acham os apoios da PAC insuficientes e que as regras ecológicas tornam a sua actividade impossível. Algumas empresas, confrontadas com a ausência de regras idênticas no resto do mundo e com subsídios e financiamentos generosos nos Estados Unidos (já para não falar da China), entusiasmam-se com o que possam ser medidas proteccionistas. Das taxas alfandegárias, com outro nome, para obrigar indústrias estrangeiras a chegar à Europa em igualdade de condições com os custos do que é aqui produzido, à suspensão ou revisão das regras de concessão de apoios e subsídios a empresas, há uma expectativa generalizada de que a reindustrialização seja um projecto europeu apoiado e financiado pelos poderes políticos. Não podemos continuar a ser ingénuos, diz-se, para dizer que americanos e chineses fazem o mesmo. Ao mesmo tempo que se diz que sabemos que somos grandes beneficiários do comércio livre. Desde logo porque exportamos mais do que importamos. Embora não para a China, claro.
Por estes dias, em Bruxelas quase todas as conversas oficiais são sobre competitividade, mercado interno e reindustrialização. E, em Bruxelas, quando se fala muito sobre uma coisa, é provável que vá haver legislação, iniciativas e, eventualmente, fundos. Para já, vão ser publicados dois relatórios por Mario Draghi e Enrico Letta, dois ex-primeiros ministros italianos. (A Itália a inspirar a competitividade da economia europeia é capaz de ser uma pouco estranho, alguém recordava há dias.)
As maiores empresas europeias, atentas, publicaram a Declaração de Antuérpia, o seu caderno de encargos para os próximos anos. Estão lá algumas portuguesas. Mas, indo mais longe, e nós?
Olhando para o extremo ocidental da Europa, em face destas transformações, convém fazermos algumas perguntas. A pensar tanto em Portugal como na Europa. Ou tanto na Europa como em Portugal. Como se queria.
O que vai acontecer às nossas indústrias exportadoras se formos mais proteccionistas? E às que necessitam de bens e matérias primas vindas de fora? O que vai acontecer ao preço dos bens que nos habituámos a ter a baixo custo se passarem a ser taxados na fronteira para custarem o mesmo que se fossem feitos na Europa? Quantos empregos serão criados com uma reindustrialização que será muito robotizada? Se os governos da União Europeia começarem a distribuir subsídios a algumas empresas, como garantimos que os critérios de atribuição são os da eficiência e não outros? E, quando não tivermos todos os mesmos bolsos, concorreremos com o quê? Isenções fiscais? Energia renovável barata? Logística, apoiada em infraestruturas que nos tornem num destino interessante para mercadorias e investimentos? Ou pediremos solidariedade e subsídios? E deste súbito interesse pelas indústrias que contribuem para a segurança a defesa, retiraremos benefícios económicos?
A transformação global em curso não é só geopolítica, é também geoeconómica. É esse o pano de fundo da competição entre Estados Unidos e China, onde a Europa procura um lugar.
A economia dos próximos anos será menos aberta, a globalização será diferente, a reindustriaização terá muitos elementos proteccionistas. E nós não temos os fundos nem os consumidores de outros países europeus. Mas temos outras vantagens e podemos ter mais. Mas para isso temos de começar a fazer contas e ter estratégias. A começar pelas empresas.