Nunca foram tantos os votos desperdiçados. Isto fere gravemente o princípio da igualdade, distorce o critério da proporcionalidade que o sistema deveria assegurar e deturpa, como nunca, o elenco parlamentar perante a real escolha dos eleitores
Os portugueses acabam de escolher os seus 230 representantes para a nova legislatura. Contudo, esta eleição da Assembleia da República, ainda mais do que as anteriores, deixou muitos à margem das suas genuínas opções políticas. Mais de um milhão e 200 mil votos não se traduziram em mandatos parlamentares devido à manutenção de um sistema eleitoral anacrónico. E demasiado conveniente para alguns.
Nunca foram tantos os votos desperdiçados. Isto fere gravemente o princípio da igualdade, distorce o critério da proporcionalidade que o sistema deveria assegurar e deturpa, como nunca, o elenco parlamentar perante a real escolha dos eleitores. Aumenta a distância entre quem reside nos grandes círculos, como Lisboa, Porto e Setúbal, e os habitantes dos círculos de pequena ou média dimensão, como Portalegre, Bragança, Castelo Branco ou Faro. Os primeiros exprimem menos condicionados as suas opções políticas nas urnas. Os restantes são obrigados a cálculos eleitorais, forçados a segundas ou terceiras escolhas, por saberem que o voto nos partidos da sua preferência não se traduz num mandato. Como se costuma dizer, votam amiúde no “mal menor”.
Há que dizer sem rodeios: isto é um insulto ao espírito do 25 de Abril.
A democracia não pode dar menos respostas a um eleitor de Bragança ou Portalegre do que aos eleitores de Lisboa ou Porto.
As maiorias devem ser construídas no Parlamento. Votos não convertíveis em mandatos tornam-se inúteis. Desvirtuam a vontade dos eleitores. Fomentam a abstenção. Cavam um fosso entre os cidadãos e geram uma entorse à democracia representativa.
A Iniciativa Liberal tem insistido: é urgente mudarmos o sistema eleitoral. Em 2023, na sequência dos debates parlamentares promovidos pela IL, todos os partidos reconheceram os benefícios do círculo de compensação para recolher grande parte dos chamados votos desperdiçados.
No fundo, basta aplicar ao conjunto do território nacional o sistema que já vigora, com sucesso, nas eleições próprias da Região Autónoma dos Açores. E não é preciso alterar a Constituição da República. O texto constitucional já contempla, desde 1989, a criação de um círculo nacional complementar para melhorar a representatividade, no pleno respeito das regras proporcionais.
A Constituição permite, o precedente açoriano é muito positivo, há consenso mínimo para a mudança, tal como os diversos partidos já expressaram. A proposta existiu e foi votada. Mas, na prática, ficou tudo na mesma. Pela conveniência e reserva mental dos dois maiores partidos. Os eleitores voltaram a votar nestas legislativas segundo as regras anteriores. E aumentou de forma ainda mais chocante o número daqueles que viram o seu voto não servir para nada.
Dando cumprimento ao seu programa eleitoral, a IL voltará a propor a criação de um círculo nacional de compensação. E agora não há desculpas. Ninguém é dono dos votos nem do sistema eleitoral. Aqueles que o criaram não podem fechar a porta e mandar fora a chave. Um dia vão desejar que as regras tivessem evoluído, que o sistema não estivesse cristalizado. Que o diga quem agora não foi reeleito em círculos pequenos.
Esta reforma permitirá um Parlamento que traduza realmente a vontade dos eleitores, com ampla liberdade de escolha.
Será sempre um passo na boa direcção. Estimulando a participação eleitoral. Dizendo a quem reside em territórios de baixa densidade populacional e aos nossos compatriotas residentes no estrangeiro que eles não são portugueses de segunda. Contribuindo, em suma, para aproximar os eleitos dos eleitores. Só assim se reforça a qualidade da nossa democracia.
Em 2022, houve cerca de 730 mil votos desperdiçados. Com círculo de compensação este número cairia drasticamente, para cerca de 68 mil. Diferença esmagadora.
O mecanismo democrático de compensação serve ainda de travão às maiorias absolutas: teria evitado a do PS há dois anos. Nesse mesmo escrutínio, o CDS ter-se-ia mantido no parlamento, o RIR teria conseguido representação e tanto o Livre como o PAN teriam formado grupos parlamentares em vez de elegerem deputados únicos. Pondo a Assembleia da República no centro nevrálgico da política, verdadeiro espelho da vontade soberana dos cidadãos.
Mesmo sem ser a principal beneficiária, como acima se comprova, a Iniciativa Liberal quer ampliar a liberdade de escolha num ambiente de saudável concorrência. Na política, tal como na economia e na sociedade. Consciente de que não há verdadeira democracia sem pluralismo.
É uma exigência da cidadania consciente, inconformada e responsável. Sem medo da vontade dos eleitores. Com uma inabalável certeza: cada voto deve contar. O círculo de compensação funciona e faz falta a Portugal.