O mundo, e a Europa em particular, vive dias difíceis, tempos sombrios. Tempos de regresso a uma nova era dos nacionalismos. Tempos de regressão ideológica em torno das identidades nacionais. Não é novidade na história contemporânea, dirão alguns, mas é seguramente preocupante para todos.
De facto, após uma era de grande encanto globalista e pós-identitário, com eleições europeias à porta e uma guerra para durar, o ressurgimento da ideologia nacionalista constitui um enorme desafio para a política.
Relembremos que o conceito de nação surgiu associado às raízes culturais, à língua e aos laços de sangue. No fundo, um conceito de vivência em comum, partilhada, nos bons e nos maus momentos das diversas comunidades humanas. Relembre-se também que a nação pode ou não coincidir com um Estado e que os grandes conflitos mundiais ou regionais têm resultado, muitas vezes, desta não coincidência.
Já o nacionalismo é uma ideologia que, manipulando perversamente o conceito de nação, defende a diferença, a exclusão, os particularismos, como princípios ordenadores dos povos. Assume a defesa intransigente e nefasta dos interesses de grupo ou mesmo posições racistas e xenófobas, face a quaisquer outros aspetos da vida coletiva, inclusive os direitos, liberdades e garantias individuais.
Expandiu-se com a revolução francesa de 1789 e evolui durante todo o século XIX e primeira metade do século XX na Europa, onde assumiu as feições do fascismo, do nazismo e, paradoxalmente, do comunismo. Mais tarde, no pós-segunda guerra mundial espalhou-se pelo mundo, alimentando a autodeterminação das antigas colónias sob influência europeia.
Atualmente, podemos ver os seus afloramentos na falsa resposta política aos problemas económicos e sociais decorrentes da globalização e os seus descontentes, aos novos fluxos migratórios, como acontece na América do Norte e na Europa, ou ainda, na justificação da atual guerra na Ucrânia e no Médio Oriente.
No caso específico da Europa, o impacto da ideologia nacionalista está ainda relacionado com o respetivo processo interno de integração económica, social e política, onde os adversários da integração, bem como todos os grupos extremistas, que se fortalecem através do populismo e da demagogia, atribuem os alegados “males” das governações nacionais, à comunitarização das diversas políticas públicas. Foi, aliás, deste discurso ideológico nacionalista anti União Europeia que resultou a saída do Reino Unido. Discurso que também é já aparentemente maioritário em países como a Hungria, a Eslováquia, a Itália e Holanda.
Acontece que, não só o conceito de nação não morreu, como precisa de ser autonomizado e valorizado, separando-o da torrente nacionalista, pois o mesmo constitui um poderoso cimento da cidadania, face ao deslaçamento social, ao reino do efémero, ao crepúsculo de dever, que têm acompanhado a crise das velhas narrativas nas nossas sociedades cada vez mais virtuais e desumanizadas.
Sobretudo na Europa, quando de Lisboa a Vladivostoque se espalham os ventos da pulsão autoritária, torna-se fundamental defender as nações contra os nacionalismos, restaurando o seu significado inicial, ajudando a construir pontes contra os muros que estes teimam em voltar a erguer.
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