A urgente conciliação da Agricultura e do Ambiente
Teremos mesmo de optar entre a agricultura e o ambiente? Serão inconciliáveis? Não. Mas só uma visão integrada do ambiente e da agricultura pode dar uma resposta positiva a este desafio
Advogado, coordenador do Conselho Estratégico Nacional do PSD para a área do Ambiente e Sustentabilidade
Teremos mesmo de optar entre a agricultura e o ambiente? Serão inconciliáveis? Não. Mas só uma visão integrada do ambiente e da agricultura pode dar uma resposta positiva a este desafio
Os recentes protestos dos agricultores suscitaram grande impacto social, colocando em crise a segurança alimentar e sobre a mesa a aparente inevitabilidade de termos de optar entre a agricultura e o ambiente.
Os protestos que se alastraram a Portugal, tiveram início em França e, tal como as manifestações dos “coletes amarelos”, resultaram, em larga medida, da falta de percepção social dos objectivos das políticas públicas ambientais europeia e, no caso português, também da falta total de resposta do Governo aos problemas do sector da agricultura.
Foi manifesta a ausência de compreensão da justa repartição dos encargos decorrentes de regras ambientais que visam fazer face às externalidades do sector da agricultura, a que acrescem questões sociais como a necessidade de mão-de-obra intensiva sazonal muitas vezes ligada à aquisição massiva de terras por grandes investidores internacionais (land grabbing).
As regras e metas europeias previstas, nomeadamente, quanto ao uso de pesticidas até 2030, poderão provocar grande impacto na rentabilidade do sector agrícola e na competitividade dos produtos quando comparados com os preços dos produtos provenientes de países de fora da UE, sujeitos a requisitos e custos de produção menos onerosos.
Noutro plano, também recentemente, a adopção de medidas para obstar à seca no Algarve (cortes de 25% na agricultura e 15% no sector urbano) colocou os agricultores “contra” os municípios, acusados de serem responsáveis pelos maiores desperdícios de água no abastecimento público às populações (média de perdas de 30%).
Neste cenário, teremos mesmo de optar entre a agricultura e o ambiente?
Serão inconciliáveis?
Não. Mas só uma visão integrada do ambiente e da agricultura pode dar uma resposta positiva a este desafio!
Com políticas públicas que, de forma articulada, promovam a circularidade, a mobilidade sustentável, o combate ao desperdício alimentar e a promoção de um consumo que respeite a natureza, os solos e a água, uma agricultura competitiva, sustentável e atractiva para os jovens, a preservação da paisagem e do património natural, a coesão territorial e social do País, a sustentabilidade dos recursos hídricos, a biodiversidade, o combate às alterações climáticas no plano da mitigação e adaptação e a economia verde.
Para atingir estes objectivos, deve ser promovida uma transição carbónica moderada, com vincada sensibilidade social, baseada num Crescimento Verde Inclusivo, em que os pilares (i) social, (ii) económico e (iii) ambiental constituem os alicerces inseparáveis de uma estrutura de vasos comunicantes, comum à agricultura e ao ambiente:
i) Pilar Social (mão-de-obra)
Portugal é o 4º país do mundo “com maior escassez de talento” e 84% das empresas revelam dificuldades na contratação de mão-de-obra qualificada, apenas abaixo de Taiwan (90%), Alemanha (86%) e Hong Kong (85%). E no sector da energia e das utilities esse valor atinge 89% das empresas. O Pacto Ecológico Europeu prevê um plano de crescimento regenerativo assente na transição de uma economia linear para uma economia circular. Actualmente, 12% da economia da UE é circular, atingindo em Portugal, apenas, 2,5%, ou seja, um valor muito reduzido e com muita margem de progressão.
A convergência do ambiente e agricultura pode constituir, pois, um importante motor de alavancagem de mão-de-obra qualificada (quer através da criação de novos empregos verdes, quer pela requalificação profissional), necessária para áreas tão específicas como as energias renováveis (como o aproveitamento de biometano nos biorresíduos, biomassa e, fundamentalmente, no sector agro-pecuário), a eficiência energética e hídrica, a bioeconomia ou o turismo de natureza.
ii) Pilar económico (financiamento)
Os instrumentos de política ambiental e de gestão do território devem ser desenhados tendo em consideração as populações que habitam em áreas protegidas e no interior do País. Neste contexto, é necessário remunerar os serviços dos ecossistemas através de um sistema transparente de créditos de biodiversidade e alargar as contas públicas ao capital natural, premiando os municípios que mais contribuem para a biodiversidade e preservação de sumidouros, em que a agricultura contribui, de forma muito significativa, para o sequestro de carbono.
Neste contexto, o principal instrumento de financiamento da política do ambiente e da acção climática em Portugal (Fundo Ambiental) deve estar ao serviço desta visão integradora do ambiente e da agricultura, apoiando, de forma mais concreta e eficaz, os projectos agrícolas que sejam considerados sustentáveis e que mais contribuam para a mitigação e adaptação às alterações climáticas. Isso exige uma alteração de paradigma, com identificação de novas áreas para uma aplicação mais ampla e transparente do Fundo Ambiental.
A agricultura portuguesa terá tudo a beneficiar em abraçar os parâmetros e regras de sustentabilidade ambiental pois isso permitirá o acesso ao financiamento em melhores condições, em linha com os princípios da Taxonomia Europeia, numa altura em que, com a previsível entrada da Ucrânia na UE, o acesso aos fundos europeus será mais limitada.
iii) Pilar ambiental (fiscalidade verde)
Introduzida pelo Governo PSD/CDS, a Reforma da Fiscalidade Verde consubstanciou-se na necessidade de ser conferido o factor “preço” à sustentabilidade, que é a forma mais eficaz de induzir linhas de acção estratégica às empresas e comportamentos às pessoas.
Neste momento, importa desenvolver a Fiscalidade Verde, dando seguimento às alterações introduzidas pela Reforma de 2015, com medidas neutras do ponto de vista orçamental, que permitam induzir padrões de produção e de consumo mais saudáveis e sustentáveis, à luz dos objectivos de promoção da circularidade e da eficiência na utilização de recursos.
Em suma, devem ser desenhadas e implementadas políticas públicas baseadas, simultaneamente, nos pilares social, económico e ambiental que pautem o ritmo da transição climática com uma cadência que “não deixe ninguém para trás”, impondo uma visão articulada e equilibrada entre o ambiente e a agricultura, de molde a evitar a captura de ambos pelo populismo através do filtro do descontentamento social.
E olhando para o espectro partidário actual, vemos o PAN e a extrema-esquerda alinhados num fundamentalismo ecológico urbano, temos uma extrema-direita “negacionista” e assistimos ao Partido Socialista com uma política ambiental de “balas de prata”, desprovido de sensibilidade social e sem dar resposta aos problemas da agricultura.
No actual contexto político, só a AD estará à altura deste desafio de “conciliar” ambiente e agricultura.
Não serão, seguramente, inconciliáveis.
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