Simplex na Habitação: o fácil pode sair caro
Ao acabar com a obrigatoriedade de apresentação da licença de utilização e da ficha técnica do imóvel no ato da escritura, o Simplex na Habitação está a deixar o comprador desprotegido
Bastonário da Ordem dos Notários
Ao acabar com a obrigatoriedade de apresentação da licença de utilização e da ficha técnica do imóvel no ato da escritura, o Simplex na Habitação está a deixar o comprador desprotegido
A modernização administrativa e a simplificação de procedimentos não podem significar menos garantias para os cidadãos e para as empresas e é isso que acontece no Simplex da Habitação.
Com o propósito de garantir a entrada de mais imoveis no mercado, este diploma veio agilizar processos e aliviar burocracias, mas fê-lo pondo em risco a segurança jurídica dos negócios.
Sem negar a virtude de algumas das suas medidas – como a dispensa da autorização de todos os condóminos na afetação de um imóvel comercial à habitação ou a simplificação dos processos de atribuição de licença – o Simplex na Habitação não defende as famílias na compra de uma casa. E porquê? Porque facilitou e não devia ter facilitado, porque eliminou procedimentos que não devia ter eliminado.
Simplificar não é cortar a direito, é olhar para o todo e retirar a parte que não faz falta.
Ao acabar com a obrigatoriedade de apresentação da licença de utilização e da ficha técnica do imóvel no ato da escritura, o Simplex na Habitação está a deixar o comprador desprotegido. E dizer isto não é dizer pouco porque, na maioria das situações, é de um teto que estamos a falar.
A licença de utilização não era exigida por acaso, mas porque fazia e continua a fazer falta. Já ninguém se lembra do que acontecia nos anos 80 e 90, quando as casas ilegais – sem as mínimas condições de habitabilidade – proliferavam como cogumelos? Já todos se esqueceram da trapalhada que foi e da fortuna que os proprietários tiveram de gastar para legalizar esses imóveis?
O legislador tem a memória fraca. A ficha técnica que dizia ser “um marco no reforço dos direitos dos consumidores, na informação e na proteção dos seus interesses económicos, no âmbito da aquisição de imóveis para habitação”, afinal já não serve para nada? É isso?
Não ignoro a crise na habitação, nem o facto de o Simplex na Habitação permitir a colocação de milhares de imóveis no mercado. A grande questão é: a que custo? Queremos mesmo resolver um problema e criar outro ainda maior? O que faremos quando o mercado for inundado com imóveis ilegais?
Ainda vamos a tempo de nos livrar deste imbróglio, se o legislador emendar a mão e vier exigir aos vendedores uma certidão camarária a atestar que o imóvel é passível de licenciamento. Teríamos, assim, o problema resolvido e o melhor de dois mundos: mais imóveis no mercado e famílias informadas dos riscos associados à compra de uma casa.
Termino, com a expetativa de que tudo isto não tenha passado de um lapso legislativo, pois de outro modo nada faz sentido.
Na era do digital - em que uma certidão comprovativa da existência de licença de habitabilidade demora um dia útil a estar pronta - como podemos justificar que o legislador tenha preferido poupar 24 horas às famílias, em vez de as proteger da enorme dor de cabeça que é comprar uma casa ilegal? Com lapso, só pode.
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