Opinião

Agricultura com futuro

Agricultura com futuro

Rui Gonçalves

Eng.º do Ambiente, secretário de Estado do Desenvolvimento Rural e das Florestas no XVII Governo (2005-2009)

Se queremos uma agricultura dinâmica e sustentável não podemos continuar a fazer “mais do mesmo”. Temos que eliminar os incentivos perversos e as medidas que não funcionam; apostar num uso mais eficiente dos fatores de produção; gerir muito melhor a água e o solo; reduzir a pegada carbónica; aumentar a inovação e a divulgação do conhecimento

As manifestações de agricultores europeus na abertura de telejornais e a aproximação das eleições legislativas estão a estimular um debate sobre a Agricultura portuguesa e o seu ministério. Só é de lamentar que este debate esteja mais virado para aspetos de orgânica institucional e de opções políticas passadas do que para a definição de um modelo de modernização e desenvolvimento agro-rural.

As questões institucionais são importantes, mas deviam resolver-se de uma penada. O setor primário em Portugal precisa de um ministério específico, com presença e intervenção em todo o território. Logo, não merece muita discussão ser o desmantelamento do Ministério da Agricultura (Desenvolvimento Rural) e Pescas uma má ideia. O PSD/CDS e o PS podiam entender-se sobre este aspeto, pois ambos são responsáveis pelo processo de definhamento em curso.

Para os mais distraídos, recordo que foi durante o consulado de Assunção Cristas que o aparente superministério da Agricultura, Mar e Ambiente começou a ser esvaziado de competências e recursos. A título de exemplo: a já pouco autoritária Autoridade Florestal Nacional foi subsumida no Instituto de Conservação da Natureza; o Instituto de Investigação das Pescas teve de se juntar com o Instituto de Meteorologia (uma inovação mundial); a Inspeção-Geral da Agricultura e Pescas fundiu-se com a do Ambiente e hoje a sua atividade no setor agrícola é residual.

A fusão dos ministérios do Ambiente e Agricultura foi revertida ainda nos governos de Passos Coelho, mas o mesmo não se passou com os serviços públicos “compactados” que passaram a ter tutelas duplas, ou triplas, a melhor receita para disputas intestinas e inação.

O governo do PS não tocou nas alterações orgânicas anteriormente produzidas e, agora, ao diluir as Direções Regionais de Agricultura e Pescas na estrutura das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional, veio cortar a ligação dos serviços centrais do ministério ao território e dificultar a interação com os agricultores.

A opção de passar a tutela das florestas da Agricultura para o Ambiente, ocorrida em 2019, é outro tópico de animado debate. O PSD parece mesmo ter transformado a reversão desta medida na sua principal bandeira eleitoral para o setor agrícola e há vozes no PS que apontam no mesmo sentido. Pessoalmente, sempre defendi que a gestão dos territórios de «produção florestal» não devia ser atribuída à mesma entidade que gere os territórios de «conservação», florestais ou outros. Mas, passados 4 anos, reconheço que o Ambiente se saiu bem da espinhosa tarefa. Os fundos públicos para a floresta têm sido melhor distribuídos por todo o território nacional e o Fundo Ambiental vai assegurar complementos ao rendimento florestal a longo prazo (20 anos). O projeto, atualmente em desenvolvimento, das Operações Integradas de Gestão da Paisagem não recomenda uma mudança de tutela ministerial. E convém assinalar que os mais acirrados defensores desta reversão não se encontram entre os produtores ou gestores florestais.

Mas o que é que verdadeiramente importa para termos um setor agrícola economicamente dinâmico, territorialmente equilibrado e ambientalmente sustentável?

É fundamental, como dizem os ingleses, “colocar o dinheiro onde está a nossa boca”. Com palavras mais ou menos semelhantes, os sucessivos Programas nacionais de aplicação dos fundos da Política Agrícola Comum europeia têm afirmado a necessidade de aumentar o valor acrescentado agrícola nacional através da promoção da inovação, de investimentos produtivos, de melhor organização da produção e gerindo cautelosa e eficientemente os recursos naturais. No entanto e apesar do elevado volume de meios financeiros que são anualmente transferidos para o setor agrícola, o valor acrescentado (a preços constantes, nos últimos vinte anos) praticamente não tem variado.

De facto, os sucessivos Programas (o atual PEPAC não é substancialmente diferente do PDR 2020 ou do PRODER) têm-se limitado a manter os rendimentos dos “beneficiários históricos da PAC”, não contribuindo para o aumento da equidade na distribuição dos apoios nem para uma maior eficiência no uso dos recursos.

Uma palavra sobre a gestão dos recursos hídricos e o regadio. Num país que, cada vez mais, terá secas severas e prolongadas não há soluções milagrosas para a escassez de água. Mas o discurso público de muitos agentes políticos e económicos parece indicar o contrário. Soluções de último recurso como os transvases entre bacias hidrográficas e a construção de instalações de dessalinização (caras de construir e operar, poluentes e com grande pegada carbónica) são apresentadas como óbvias e imediatas. Não é esse o caminho.

Temos de começar por perceber que não podemos continuar a expandir as áreas regadas no sul do país. É, aliás, absurdo o que se passou nos últimos 30 anos, a área irrigável teve uma redução de cerca de 60% nas regiões a norte do Tejo e um aumento de 40% nas regiões a sul!

É necessário planear, definir onde queremos e podemos irrigar e que culturas devemos irrigar, estabelecer preços para a água que permitam, pelo menos, recuperar os custos da sua disponibilização, regular e fiscalizar a utilização de águas subterrâneas, reduzir drasticamente as perdas de água e aumentar a capacidade de armazenamento. Se não o fizermos, podemos seguir o caminho da Espanha, que já conta com 750 dessalinizadoras e almeja vir buscar (mais) água a Portugal, mas não temos nenhum país vizinho onde a obter.

Por último, a qualidade do solo que nunca foi famosa, na maior parte do nosso território, tem-se vindo a degradar de forma acentuada. Esta tendência precisa mesmo de ser revertida se quisermos que as próximas gerações continuem a produzir alimentos no nosso país. Apesar de até existir uma medida no PEPAC com este sentido, a mesma não tem atraído os agricultores e a sua adesão é muito reduzida. Esta situação precisa de uma reanálise urgente.

Como se tentou explicitar sucintamente, se queremos uma agricultura dinâmica e sustentável não podemos continuar a fazer “mais do mesmo”. Temos que eliminar os incentivos perversos e as medidas que não funcionam; apostar num uso mais eficiente dos fatores de produção – sementes, pesticidas, adubos, alimentos para animais; gerir muito melhor a água e o solo; reduzir a pegada carbónica; aumentar a inovação e a divulgação do conhecimento (extensão rural). E, também na Agricultura, “cabe ao Estado fazer escolhas” sobre os investimentos produtivos que merecem ser apoiados.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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