Opinião

Reter talento: Portugal ainda vai a tempo

Reter talento: Portugal ainda vai a tempo

Soledade Carvalho Duarte

Diretora Geral da Transearch Portugal

A fuga dos nossos melhores não tem de ser uma inevitabilidade. Portugal pode mantê-los e atraí-los se os decisores políticos tiverem a coragem de alterar as políticas salariais e fiscais que asfixiam a economia portuguesa

Muito se tem falado, e a meu ver com total pertinência e acuidade, sobre a fuga de talento, sobretudo talento jovem, para o estrangeiro. Aparentemente, e em véspera de eleições, está a tornar-se bandeira de algumas forças políticas, e não será por aqui que vem mal ao mundo - sobretudo se, na próxima legislatura, forem concretizadas algumas medidas agora apregoadas.

O mal vem, de facto, de não estarmos nem sermos capazes de reter esse talento, e pior… de estarem criadas todas as condições para empurrá-los para fora, onde não lhes faltam oportunidades para abraçar bons projetos profissionais, com salários que lhes reconhecem o valor que vão aportar e com uma carga fiscal que não choca. E chocar é a palavra se pensarmos no que se passa em Portugal.

Ainda mais grave é estarmos a empurrar para fora do País uma geração que será das mais qualificadas de sempre, com uma formação académica que não só iguala, como, na maioria das vezes, ultrapassa em qualidade a que é ministrada noutros países.

A generalização da educação e da formação superior, hasteadas como bandeiras de um desenvolvimento social garantido e apresentadas como motor do elevador social, não chegou para reter em Portugal os jovens, que assim têm de procurar noutras paragens o que o seu País não lhes dá, desperdiçando um valor incalculável e provocando um impacto significativo no tecido social e familiar. Sou mãe de quatro filhos com uma carreira profissional bem-sucedida, que não precisaram - ainda - de abandonar o seu país para concretizarem o seu projeto de vida. 

Tenho a graça de os ter por perto e poder usufruir dos meus netos. Sou uma exceção, e gostaria que não fosse assim. Gostaria que os jovens promissores e altamente qualificados pudessem sair porque querem e não por falta de opções. Gostaria que os jovens promissores e altamente qualificados que vêm estudar para Portugal pudessem ficar, e muitos querem, mas não encontram as condições para o poder fazer.

A manchete do Expresso é clara: “Estado tem cada vez mais dificuldades em atrair e reter talento. ‘Debandada’ ameaça qualidade e funcionamento dos serviços.” Segue-se a triste constatação de que “o sector privado já tem dificuldades em reter profissionais altamente qualificados, por não conseguir competir com os salários que lhes são oferecidos por empresas estrangeiras”. Se juntarmos a esta realidade a dificuldade de acesso à habitação e o crescente aumento do custo de vida, não podemos ficar espantados com a repetição da triste sina que marcou várias gerações de portugueses: emigrar. Já não para se ocuparem, maioritariamente, de tarefas pouco qualificadas, mas para aplicarem o que cá aprenderam, criando valor e fazendo crescer outras economias.

É urgente tomar medidas para estancar este fenómeno que enfraquece a democracia e que nos coloca nos mais baixos patamares do crescimento económico. Temos de promover melhores condições salariais, diminuindo a asfixiante carga fiscal aplicada aos jovens e às empresas, desburocratizando os serviços, aligeirar a legislação laboral e reforçar os apoios conducentes à contratação e retenção de jovens talentos.

A fuga dos nossos melhores não tem de ser uma inevitabilidade. Portugal pode mantê-los e atraí-los se os decisores políticos tiverem a coragem de alterar as políticas salariais e fiscais que asfixiam a economia portuguesa e nos condenam a figurar nos últimos lugares dos rankings internacionais de competitividade.

Temos de reduzir a carga fiscal sobre os trabalhadores, por exemplo, criando isenções fiscais que permitam aos jovens licenciados, nos primeiros cinco anos após a licenciatura, fundarem os alicerces de uma vida em Portugal, comprando casa, integrando-se no mercado de trabalho e desenvolvendo as suas competências. Sejam eles portugueses ou estrangeiros.

Temos de desburocratizar e reduzir a carga fiscal das empresas se realmente queremos que apresentem propostas de valor, apostando num pacote global atrativo, ao nível do que oferecem outros mercados, onde os talentos de todas as idades são cobiçados.

Temos de perceber que vivemos num mundo sem fronteiras, onde as economias competem umas com as outras pelos melhores. Que Portugal não se destaque como o destino mais cobiçado pelos melhores é um erro. Possível de corrigir.

Basta ter a coragem e audácia dos nossos jovens Talentos.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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