Acompanho as campanhas eleitorais desde que tenho memória. Primeiro, sem qualquer noção do que estava em causa, apenas encantado pelas bandeiras, cartazes, autocolantes e palavras de ordem. Depois, de forma gradualmente consciente, seguindo atentamente os debates, discutindo as propostas dos partidos e o desempenho dos candidatos. O jogo político, o debate de ideias e propostas, e a luta democrática pelo poder, que têm nas campanhas eleitorais um palco privilegiado, costumam ser fascinantes.
Ou muito me engano, ou a próxima campanha será a exceção que confirma a regra. Não me lembro de um período pré eleitoral mais cinzento, com lideres tão pouco entusiasmantes e, sobretudo, tão espartilhados pelo tacticismo. Era muito novo, mas lembro-me bem das vitórias da AD em 1979 e 1980. Os líderes da coligação tinham conteúdo, coragem, e objetivos claros: tornar Portugal uma democracia civilista sem condicionantes, fossem elas ideológicas ou a tutela militar. Á esquerda, Mário Soares e Álvaro Cunhal eram figuras igualmente respeitadas pela sua craveira intelectual, coerência e coragem. Até Ramalho Eanes e Cavaco Silva, personalidades com pouca propensão mediática, tinham carisma exatamente por isso. A sua rigidez era natural e não faziam questão de a disfarçar.
Claro que qualquer político tem direito, até o dever, a querer melhorar a forma como comunica. Aliás, uma comunicação eficaz é fundamental para passar uma mensagem sólida. Em 1980, a mensagem da AD nas presidenciais foi tão forte e simples quanto isto: “um governo, uma maioria, um presidente”. Mais tarde, o slogan “Soares é fixe”, das inesquecíveis presidenciais de 1985/86, colou-se como uma segunda pele à figura de Mário Soares. Estas figuras beneficiaram de estratégias de comunicação eficazes, mas nenhuma aceitaria despersonalizar-se para agradar ao eleitorado.
O contraste com o presente é gritante. Em 1985, Mário Soares, que partiu para as presidenciais como menos de 10% das intenções de voto, afirmou com clareza e sem hesitações que era republicano, laico e socialista. Hoje, Pedro Nuno Santos tem a desfaçatez de procurar descolar-se da herança de um governo em que foi um dos ministros mais salientes e aparentar uma moderação que não será convicta. Em 1979, a AD foi apresentada numa conferência de imprensa com os três lideres sentados lado a lado, em sintonia. Agora, a “nova” AD foi anunciada em dezembro por um comunicado seco, e apresentada num evento mediático que, por coincidência, calhou no dia do congresso do PS. Talvez a escolha da data tenha já saído da cabeça, imagino que brilhante, de Sérgio Guerra, o brasileiro especialista em marketing político contratado para fazer desta AD um produto vencedor.
Contudo, as coisas não arrancaram bem, a começar pela escolha do nome da coligação, opção no mínimo arriscada, pois torna inevitável a comparação com a AD de 1979. Tal apenas prejudica a atual e, pior, obrigou a acomodar este PPM, que é uma ofensa a Gonçalo Ribeiro Telles. Na apresentação da coligação foi notória a ausência de um propósito motivador e a falta de empatia e sintonia entre os líderes. O embaraço de Luís Montenegro e Nuno Melo com a presença de Gonçalo da Câmara Pereira foi aliás indisfarçável, o que é compreensível.
As eleições de março de 2024 serão das mais importantes da nossa democracia. Num cenário de crescimento dos radicalismos e ameaça de instabilidade governativa, exige-se aos lideres políticos ainda mais autenticidade e menos tacticismo. O marketing político serve para comunicar convicções, não para sobrepor-se a estas. A força das grandes figuras políticas deve estar na sua autenticidade. Á atenção dos candidatos a primeiro-ministro.
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