Opinião

Um balanço sobre sismos em 2023: é urgente integrar o tema na agenda política

Um balanço sobre sismos em 2023: é urgente integrar o tema na agenda política

Mónica Amaral Ferreira

Investigadora do Instituto Superior Técnico, especialista em risco sísmico

O reforço e melhoria do desempenho sísmico das construções deve ser visto como um investimento e reforço da economia portuguesa e não como uma despesa

Por ano ocorrem cerca de 1 milhão de sismos no mundo, a maior parte deles não são sentidos, por terem magnitudes muito baixas (3 ou inferior). Muitos ocorrem em regiões remotas ou inabitadas do mundo ou no mar, não causando qualquer impacto. Nalgumas partes do mundo sismos de magnitude 6 ocorrem todas as semanas e de magnitude 7 ou superior ocorrem todos os meses.

O ano de 2023, foi marcado por mais de 65000 mortes devidas a sismos; os dois eventos que ocorreram na Turquia, a 6 de fevereiro, tiraram pelo menos 56000 vidas, desalojaram 3.3 milhões de pessoas e a reconstrução irá custar mais de 56 mil milhões de dólares. Dez meses se passaram e pouco se fez, pois não existem meios financeiros para suportar a devastação que o sismo causou.

No passado dia 25 de dezembro, um sismo de magnitude 4 foi sentido em Elvas, Almeirim e até em Lisboa. Não causou danos pessoais ou materiais, por ser um sismo ligeiro. Foi mais um sismo que serviu de tema de conversa nesta época natalícia, e para nos questionarmos, quase em jeito de brincadeira e com pouca convicção, do que será quando vier um mais forte. Sismos moderados (5-5.9), ou mais fortes são expectáveis em Portugal.

Não é necessário um sismo muito forte para causar danos extensos às infraestruturas de eletricidade, água e transportes. Hospitais, escolas e quartéis de bombeiros seriam profundamente afetados. Um sismo pode paralisar (de um momento para o outro) uma cidade, um país, cujas estruturas não estejam preparadas para resistir aos seus efeitos, mesmo que sejam de um sismo moderado, caso não sejam feitos esforços para as reforçar. E os devidos esforços não estão a ser feitos.

Em 2023, a nível global, cerca de 12000 pessoas perderam a vida devido a fenómenos relacionados com questões climáticas, como inundações, incêndios florestais, ciclones, tempestades e deslizamentos de terra. Devido a sismos, são já mais de 65000 mortes. A proporção é de 1 para 5. Mais de 60% da população mundial corre o risco de sofrer com o impacto de sismos e no entanto, o valor gasto na mitigação dos efeitos dos sismos é menos de um quarto do valor gasto na mitigação climática.

Em Portugal, continuamos a construir hospitais, públicos e privados, sem sistemas de proteção sísmica (isolamento de base ou outros). Este ano foi marcado pelos alertas e chamadas de atenção da comunidade científica para que o futuro Hospital de Lisboa Oriental incluísse proteção sísmica adicional, o isolamento de base, a única forma de garantir o seu funcionamento por mais forte que seja o sismo. Apesar de todas as recomendações, este sistema não será contemplado. Mais uma oportunidade perdida do país fazer bem.

O orçamento do Estado para 2024 não aponta qualquer visão estratégica para avaliar o estado atual da resiliência do edificado ou infraestruturas, para identificar áreas para melhoria, formular um plano de implementação e promover a segurança da população; aliás o tema é ignorado no documento aprovado a 29 de dezembro.

Os sismos são inevitáveis, assim como as interrupções, mas os danos não precisam de o ser. É urgente integrar este tema na agenda política e promover investimento público e privado, tanto no curto prazo como num horizonte mais longo, que permita reforçar e melhorar o desempenho sísmico das construções antes da ocorrência de um sismo, Este investimento deve ser visto como um reforço da economia portuguesa e não como uma despesa.

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