Opinião

Escolher o futuro

Escolher o futuro

Miguel Herdade

Diretor Associado no Ambition Institute

O desastre da educação era previsível, mas podemos fazer com que não tenha de ser sempre assim

Os nossos alunos de 15 anos pioraram mais do que a média dos outros países da OCDE em todos os domínios: matemática, leitura e ciência. Depois de produzir a geração “mais bem preparada de sempre”, os adultos de Portugal uniram-se e tacitamente resolveram atraiçoar os que se seguem. A ferramenta escolhida foi negligência, esquecimento e indiferença ativa pela educação.

É pena que assim seja. Ao contrário do que muitos pensam, o nosso sistema de ensino melhorou imenso desde o início do milénio até ao ano da glória de 2015. Nesse ano, tivemos os melhores resultados de sempre, tanto para os alunos de quinze anos de idade, como para os do 4.º ano, que eram tão bons a matemática que ultrapassaram verdadeiras vacas sagradas como a Suécia, Finlândia e a Alemanha.

Mas esta semana confirmou-se um desastre educativo a nível global, tendo como principal culpado a pandemia. Como esperado, a catástrofe atingiu Portugal com mais força, como demonstram os resultados do PISA, provavelmente o mais importante estudo internacional nesta área. É importante notar que esta queda de Portugal não foi um acaso, e segue uma tendência negativa que nos levou agora a perder mais do que uma década de progresso na educação.

A matemática, o dano foi de tal ordem, que os alunos perderam literalmente o equivalente a um ano inteiro de conhecimentos, ou seja, um aluno de 15 anos em 2022, sabe o mesmo do que um aluno de 14 anos em 2018. Pior ainda, 1 em cada 3 alunos portugueses não conseguem concluir exercícios simples como calcular a distância entre dois caminhos alternativos ou fazer a conversão de euros para outras moedas.

A escola é um sítio importante porque é aí que se constrói o futuro de um país. Em média, cada ano que andamos na escola em Portugal dá-nos cerca de 8% de retorno salarial. A educação ajuda os nossos jovens a desenvolver as suas capacidades e conhecimentos, dando-lhes a possibilidade de lutar por um salário maior, e até de sair da pobreza em adulto. O trabalho, inovação e ordenados futuros das nossas crianças são, literalmente, o futuro do crescimento económico do nosso país.

Logo em 2020 a OCDE avisou-nos que o fecho das escolas podia custar a Portugal cerca de 212 mil milhões de euros em ordenados futuros dos nossos alunos até ao fim do século. Escolhemos ignorar. Em 2021 escolhemos manter as escolas fechadas por mais um pouco. Nesse ano, chegámos ao cúmulo de achar que as escolas secundárias tinham a mesma importância do que os centros comerciais e, portanto, demos-lhe a mesma prioridade no desconfinamento. No fim do ano letivo, o governo prometeu mundos e fundos para ajudar os alunos a aprender o que tinham em atraso. Desse dinheiro, mais de dois terços eram para obras nas escolas, em vez de investir nos professores. Até hoje, como confirmou o Tribunal de Contas, ninguém sabe quantos e que alunos beneficiaram desses fundos. Aqui chegados, e depois de mais dois anos sem professores, vamos já para o quinto ano letivo seguido com um sistema de ensino em cacos.

Isto é intolerável, e a responsabilidade é nossa: minha, sua, do governo, da oposição. Dos pais, mães e avós deste país. Das empresas, do estado e da sociedade civil. Nós temos, todos, um dever moral intergeracional de lutar pelas perspetivas de vida das gerações mais novas. Mas escolhemos nada fazer.

Pior ainda, dissemos às crianças e jovens que ia ficar tudo bem, e não ficou. Sofrem as suas perspetivas de vida, a saúde mental e até os bebés covid têm as suas capacidades afetadas. Os políticos, os comentadores, e as pessoas com voz têm os filhos em escolas boas, e não veem o problema à frente. Rasgaram-se as vestes por causa das casas de banho mistas, do altar do Papa, dum aeroporto imaginário e da flat tax. Passaram-se eleições presidenciais e legislativas, mas, sobre educação, nem meio minuto de um debate. Fingimos que nada se passa, e condenamos os vindouros a viver num país sem capital, sem infraestruturas, sem cultura, sem meio ambiente, e sem gente. E os jovens, endrominados, ficam sem ferramentas para resolver os problemas que lhes deixámos.

O que me dá esperança é saber que a vida não tem de ser sempre uma desgraça. Apesar do descalabro, os dados desta semana também nos trazem importantes motivos de orgulho, e mostraram que somos capazes de fazer coisas bem feitas: em 2022 fomos o país do mundo em que menos crianças passaram fome na escola. Tal como os maus resultados, também os bons não acontecem por acaso, mas sim porque escolhemos esforçarmo-nos para os atingir.

A coisa boa da democracia é mesmo isso, a escolha. Cada um de nós pode escolher falar do assunto, partilhar com amigos, ir para a rua, manifestar-se, escrever, organizar-se em grupos. Influenciar os jornais, os partidos. Apresentar soluções e inovações. Pode escolher ajudar uma escola, apoiar um professor. Se a nossa indiferença causa dano, pelo contrário, o poder de arregaçar as mangas e agir pode ser verdadeiramente transformador.

Com eleições à porta, podemos finalmente lutar pelo futuro que escolhemos dar aos nossos filhos?

* As opiniões expressas neste artigo são exclusivamente do autor e não refletem os princípios ou posições das organizações às quais está associado

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