Opinião

As novas vagas de desinformação com que Viktor Orbán planeia condicionar as eleições em 2024

Péter Krekó, Csaba Molnár, e Ráchel Surányi – Political Capital Institute, em Budapeste, Hungria

Com o espaço dos meios de comunicação tradicionais amplamente capturado, o Governo húngaro está agora a voltar a sua atenção para as redes sociais, sobretudo para o Facebook, como parte dos seus esforços para controlar as mensagens públicas. Em 2024, além das europeias, há eleições autárquicas no país

Há centenas de perfis falsos coordenados envolvidos em operações de influência pró-governamentais, no Facebook, a antecederem das eleições autárquicas e para o Parlamento Europeu na Hungria, em 2024. Uma nova investigação, publicada pelo Political Capital Institute, identificou mais de 500 perfis falsos – muitas vezes, com recurso a imagens de redes sociais russas, a divulgar propaganda pró-governamental no Facebook de forma coordenada – que estão potencialmente a atingir dezenas de milhares de utilizadores húngaros das redes sociais. A máquina de desinformação húngara encontra-se numa fase de teste antes das eleições autárquicas e para o Parlamento Europeu de 2024.

No próximo ano, os húngaros irão às urnas no mesmo dia para eleger cargos autárquicos e representantes no Parlamento Europeu. Estas eleições terão, provavelmente, como pano de fundo a persistência de uma grande divisão entre a Comissão Europeia e a Hungria, devido ao persistente desrespeito desta última pelos valores da UE e às manobras pró-Kremlin e pró-Pequim por parte do primeiro-ministro, Viktor Orbán.

É provável que Orbán entre em 2024 numa posição sólida. Em abril de 2022, cimentou o seu poder ao garantir uma vitória esmagadora sobre uma oposição política unida. O seu partido, o Fidesz, prepara-se para as eleições para o Parlamento Europeu e tem como objetivo reduzir os ganhos da oposição húngara nas últimas eleições autárquicas, nas quais ganhou o controlo da capital Budapeste e de várias outras grandes cidades. A decisão de realizar as duas eleições no mesmo dia e de enquadrar grande parte do debate em torno da chamada "interferência estrangeira" de Bruxelas e dos Estados Unidos dificulta a vida do autarca de Budapeste, Gergely Karácsony, e de outros candidatos da oposição. Estes candidatos terão também de enfrentar o panorama mediático mais desequilibrado da União Europeia, que não só lhes dificulta o acesso aos eleitores, como está tão carregado a favor das mensagens do Fidesz que as campanhas de difamação contra os políticos da oposição são agora comuns. Desde que recuperou o poder, em 2010, exercer um controlo cada vez maior sobre o espaço mediático húngaro tem sido uma ambição fundamental de Viktor Orbán e do Fidesz. Ao longo dos últimos treze anos, o controlo que tem vindo a manter sobre a comunicação social não tem precedentes, ao ponto de a Hungria ser agora uma autocracia da informação.

Com o espaço dos meios de comunicação tradicionais amplamente capturado, o Governo húngaro está agora a voltar a sua atenção para as redes sociais, sobretudo para o Facebook, como parte dos seus esforços para controlar as mensagens públicas. Uma nova investigação do grupo de reflexão Political Capital, sediado em Budapeste, descobriu uma proliferação crescente da atividade de trolls no Facebook, semelhantes à da cartilha russa. Mostrou que, até à data, se infiltraram em mais de 450 grupos públicos em todo o país – mas com uma ênfase particular, e aparentemente coordenada, em Budapeste. O autarca da cidade, Gergely Karácsony, bem como outras figuras da oposição, são os principais alvos da atividade de trolls e de desinformação nestes grupos – que, muitas vezes, assume a forma de partilha de artigos noticiosos pró-governamentais que difamam, sem fundamento, a administração de Karácsony e dão especial destaque às mensagens hostis do Fidesz. Dada a expansão do recurso a "perfis falsos" e a sua escala de atividade, não é descabido argumentar que nos estamos a aproximar de um ponto em que estes ameaçam a integridade das eleições de 2024.

Ao seguir e monitorizar as características destes utilizadores, o Political Capital conseguiu determinar que quase todos os perfis em questão são falsos.

Esta inautenticidade é evidenciada pelas imagens de perfil e de capa, que, quase invariavelmente, são provenientes de páginas de pessoas estrangeiras existentes, principalmente da plataforma russa de redes sociais VKontakte e, em alguns casos, de outros sites, como sites de encontros russos, búlgaros e ucranianos. Embora alguns dos perfis tenham nomes húngaros, é frequente o desleixo na criação do perfil, com muitos dos URL do Facebook a conterem outros nomes, o que pode revelar a verdadeira origem da conta. Além disso, a natureza fraudulenta dos perfis também é denunciada pela ausência de conteúdo na página, à exceção de conteúdo completamente impessoal, proveniente de partilhas com as mais diversas mensagens (publicitárias, relacionadas com animais, etc.)

A atividade destes perfis é também firmemente destinada a determinados alvos. No Facebook, é frequente o enfoque explícito na amplificação das narrativas do governo em grupos comunitários e na disseminação de desinformação e conteúdos difamatórios que desacreditam os partidos e os políticos da oposição, como Karácsony e outros. Este comportamento, praticamente idêntico entre perfis, sugere alguma coordenação central. É também revelador que, após a sua ativação ou “rebranding” em muitos casos, se juntem a grupos do Facebook em grande escala, incluindo grupos comunitários locais não políticos e grupos com conteúdos de assuntos públicos com tendências pró-governamentais, antigovernamentais e mesmo pró-oposição. Encontram-se frequentemente agrupados nos mesmos grupos políticos nacionais, dado indicador de um certo nível de implantação estratégica.

Nalguns casos, esta rede chega mesmo a utilizar mecanismos de segurança. A investigação do Political Capital revelou que um grande número destes perfis publica, com intensidade divergente, nos grupos a que aderiram, enquanto alguns funcionam como "perfis adormecidos" que ainda não foram "ativados" como meios de divulgação. Após a publicação deste conjunto de dados, em setembro, os investigadores descobriram que os URL de alguns perfis foram alterados de um dia para o outro, para corresponderem à sua identidade assumida no Facebook – confirmando assim, involuntariamente, que são, de facto, perfis falsos, que estão a ser coordenados de modo centralizado. Apenas a proprietária do Facebook, a Meta, pode revelar a origem e a localização destes perfis em massa e agir no sentido de os remover.

Fizemos um apelo nesse sentido e chamámos a atenção para o facto de, caso não sejam controlados, poderem criar raízes em grupos comunitários e alargar o seu alcance a outros utilizadores do Facebook – e, mais importante ainda, a potenciais eleitores.

Este aproveitamento dos trolls e a manipulação das redes sociais são uma triste indicação do rumo que a Hungria e a sua democracia estão a tomar sob o comando de Viktor Orbán. Ao longo da última década, o primeiro-ministro e o seu partido estabeleceram um controlo sobre o panorama dos meios de comunicação social na Hungria que ameaça seriamente a sua liberdade. Em 2021, os Repórteres Sem Fronteiras acusaram Viktor Orbán de ser um “ predador da liberdade de imprensa”, e, antes das eleições de 2022, os repórteres de investigação descobriram que um fundo húngaro financiou personalidades pró-governamentais das redes sociais no montante de vários milhões de euros para divulgar as mensagens do governo. Posteriormente, viria a ser lado por uma coligação global de jornalistas que o Governo húngaro utilizou o software de espionagem Pegasus para vigiar jornalistas, proprietários de meios de comunicação social e políticos.

É evidente que, à medida que as eleições autárquicas e para o Parlamento Europeu se aproximam, a quantidade de notícias falsas e de campanhas de difamação divulgadas através dos meios tradicionais por fontes pró-governamentais se vai intensificar. Mas o mesmo acontecerá com a atividade de perfis falsos no Facebook e noutras plataformas de redes sociais.

Aquilo a que estamos a assistir na Hungria é uma fase de teste e de expansão de algo que pertence a uma cartilha inspirada no Kremlin. A ameaça às eleições de 2024 e ao próprio futuro do espaço público no nosso país é real.

Este artigo baseia-se nas conclusões apresentadas no Fórum Budapeste 2023.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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