Opinião

Desafios globais exigem uma mudança de paradigma: prioridade na abordagem pela procura à crise energética e climática

Desafios globais exigem uma mudança de paradigma: prioridade na abordagem pela procura à crise energética e climática

Nuno Bento

*Investigador do DINÂMIA’CET-Iscte

O mundo está a arder (nas palavras do secretário-geral da ONU, António Guterres) e é imperativo reduzir o consumo de energia, sem prejudicar a melhoria das condições de vida nos países menos desenvolvidos. Na próxima semana, investigadores de todo o mundo estarão reunidos no Iscte, na conferência da iniciativa global EDITS, com o objetivo de debater estratégias que promovam o bem-estar e evitem mudanças climáticas perigosas

Segundo a ONU, 700 milhões de pessoas em todo o mundo ainda não têm acesso a eletricidade. Estudos demonstram que uma redução no consumo excessivo dos 1% mais ricos poderia ter o mesmo impacto nas emissões de carbono que erradicar a pobreza extrema num terço da população mundial. Este é um sinal claro de que podemos e devemos corrigir esta disparidade.

O problema não é exclusivo dos países menos desenvolvidos. Em Portugal, 80% das habitações têm baixa eficiência energética e 20% da população vive em condições de pobreza energética, segundo dados da ADENE e do Eurostat, respetivamente. Isto deixa a sociedade portuguesa vulnerável a crises energéticas, especialmente quando o transporte ainda depende principalmente de petróleo importado.

Apesar dos esforços para descarbonizar a eletricidade, 65% da energia primária consumida em Portugal em 2022 provinha de fontes fósseis, de acordo com dados da Direção Geral de Energia e Geologia (DGEG). Alcançar a neutralidade carbónica em 2045 exigirá alterações estruturais nos transportes, nos edifícios e na indústria em apenas duas décadas.

Uma abordagem pela procura surge como um caminho promissor. Ao focarmos nas necessidades individuais para atingir padrões mínimos de bem-estar, podemos investigar estratégias mais eficientes para a satisfação de serviços essenciais. Isto resulta, nomeadamente, numa redução da intensidade energética, o que diminui os custos com energia, libertando mais recursos para despesas sociais, como saúde e educação.

No último relatório de avaliação do grupo III, o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC) estima que medidas do lado da procura poderiam reduzir as emissões entre 40 e 70%. No entanto, a maioria dos investimentos tem sido direcionada para o lado da oferta, quatro a cinco vezes mais do que para a procura, segundo dados da AIE. Controlar o aumento do consumo de energia é uma estratégia que poderia tornar parte dessa capacidade adicional desnecessária.

Estamos perante uma urgência incontestável. A reforma dos Bancos Multilaterais de Desenvolvimento, proposta pelo Secretário-geral da ONU, pode libertar 3 biliões de dólares anualmente para financiar os objetivos de desenvolvimento sustentável e a descarbonização no Sul Global. Porém, alocar esses fundos para perpetuar combustíveis fósseis ou altos consumos de energia seria um erro difícil de reverter.

Esperamos que esta conferência aporte novas pistas para a transição, e que este debate traga não só benefícios para a vida dos portugueses, mas também para a segurança energética, climática e civilizacional.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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