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Opinião

Um dia de cada vez

Um dia de cada vez

Clara Ferreira Alves

Escritora e Jornalista

A guerra tem um efeito tóxico nas cabeças, como o álcool, primeiro a euforia e depois a depressão

Esta manhã, a minha manhã não é a vossa manhã, estou enfiada na terça-feira, vi passar uma mulher com um saco de plástico com água e um peixe colorido dentro. Tinha na outra mão balões. Era o aniversário do filho com sete anos de idade, Daniel. A mãe, Ariel, não pode levar o filho pela mão e a criança caminha ao lado, segura e tranquila, contente com a festa. O bolo deve estar no frigorífico. Tem de estar no frigorífico, aqui faz muito calor e o ar está pesado de poeira e areia.

Uma das crianças raptadas num kibutz fez anos dentro dos túneis, ou noutro lugar pior, e o bolo ficou no frigorífico. Uma menina. O pai vive um dia de cada vez, numa angústia sem fim, lá está ele em frente às fotografias dos reféns, não desiste. Lembro-me de um conto de Raymond Carver sobre o bolo de anos que ninguém foi buscar porque a criança estava morta.

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