Opinião

O (não) regresso do terrorismo à Europa

O (não) regresso do terrorismo à Europa

Jorge Botelho Moniz

Diretor da licenciatura em Estudos Europeus e Relações Internacionais na Universidade Lusófona

Guerra Hamas-Israel, regresso do terrorismo, paz social europeia ameaçada? É assim que as nossas semanas, europeias, têm sido contadas. Temos assistido ao corrupio diplomático dos líderes mundiais para evitar uma escalada de tensão no Médio Oriente e a outro nas redes sociais para aumentar a tensão internamente. Contudo, para já, não foi o terrorismo, mas o falatório sobre terrorismo que voltou à Europa

A Europa no divã do terrorismo
Quando o terrorismo transnacional eclodiu em toda a sua força, após os atentados de 11 de setembro de 2001, a paisagem política e social gerada pela globalização mudou abruptamente. Na Europa, houve os atentados à estação de Atocha em Espanha (2004), ao metropolitano de Londres em Inglaterra (2005) ou em Utøya na Noruega (2011). Assistimos ao assalto à redação do Charlie Hebdo (2015), aos ataques de novembro de 2015 em Paris (ex. Bataclan) e aos atentados de julho de 2016 em Nice ou de maio de 2017 em Manchester, citando apenas estes que mais rápida e tragicamente me vêm à memória. É especialmente evidente um pico de ataques terroristas em meados da década de 2010 e este quadro pode ajudar a pintar um cenário trágico na Europa, mas desengane-se. A maior parte das mortes por terrorismo, mesmo neste período dramático no velho continente, situou-se em países que a maioria não consegue localizar no mapa em menos de quinze segundos, a saber: Iraque, Afeganistão, Síria, Nigéria, Paquistão e Iémen.

Guerra Hamas-Israel e a Europa
Nem uma semana volvida após o ataque do Hamas a Israel, no dia 07 de outubro, já França lamentava a primeira morte causada pela ira indireta deste conflito. Poucos dias depois o mesmo sucedeu na Bélgica, com contornos e justificações diferentes. Emmanuel Macron, o putativo líder da Europa comunitária, rapidamente exclamou que i) o terrorismo islâmico estava de volta, ii) que todos os Estados-membros da UE eram vulneráveis e iii) que deveríamos passar a viver em sociedades de vigilância. Um líder populista dificilmente diria melhor. Como consequência, França e Bélgica subiram para o nível máximo o alerta de terrorismo, Itália fez regressar o controlo de fronteiras com Eslovénia e em Espanha voltou-se a discutir o congelamento da autorização de residências. Ah! E em Portugal, o líder do partido Chega, escreveu elegantemente numa rede social: “por que raio não mandamos esta gente embora?”.

Houve e há temores, legítimos, de que a paz social europeia possa sofrer por conta deste (novo) conflito na Faixa de Gaza – a oitava escalada de violência em mais de década e meia. Contudo, parece-me que a Europa se mostrou resiliente, tal como ela se gosta de adjetivar. Apesar do seu histórico de terrorismo e do tribalismo em torno deste conflito, a maioria das manifestações europeias pró-Israel ou pró-Palestina têm sido pacíficas. Dificilmente se pode sustentar que uma nova onda terrorismo chegou e abalou a Europa. Não é verdade.

E as eleições europeias?
Se isso é verdade, ou não, é indiferente, porque a nossa perceção acaba sempre por vingar sobre tudo o resto. Acho que não assistíamos há muito tempo a um debate tão inflamado e polarizador nas nossas sociedades, mesmo que a nossa opinião conte zero para um israelita ou palestiniano. Nem que cada indivíduo engolisse um polígrafo conseguiria distinguir, neste momento, informação de desinformação. Na verdade, acho que nem o desejariam.

Com a criação de um sentimento generalizado de insegurança, abriu-se um novo espaço para o regresso das narrativas securitárias, identitárias e nativistas. Voltámos à guerra cultural em que a religião ressurge, antes de mais, como um marcador de identidade que permite a distinção entre o bem, nós, e o mal, eles. Quem ganha no meio disto? O leitor sabe bem que não são os moderados.

Que impactos no nosso futuro? Bem, com eleições europeias a começarem a bater à porta pode ser que os temas aventados para dominar a agenda europeia – guerra na Ucrânia, reforma energética, crescimento económico, luta contra a corrupção ou regras fiscais comuns – percam a sua centralidade no debate e sejam substituídas por preocupações em torno da segurança interna e externa, do multiculturalismo e da soberania nacional. Estas seriam notícias péssimas para a integração europeia e, em especial, para países pequenos como Portugal, mais dependentes e expostos às flutuações de qualquer desintegração comunitária.

Neste momento, nada aponta para o fim do centro político no Parlamento Europeu (PE). Contudo, o regresso a um clima de insegurança propiciará a reconfiguração das maiorias no PE e é a isso que devemos estar atentos.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: botelho.moniz@ulusofona.pt

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