Talvez Fernando Medina já levasse a tirada preparada de casa. Ainda assim, há que reconhecer o humor do ministro das Finanças quando, tingido de verde por ativistas climáticos, declarou: “pelo menos sei que tenho uma apoiante relativamente à subida do IUC.” Só que até a ironia sobre o isolamento político da proposta parece ser otimista. Na verdade, nem as associações ecologistas têm defendido o aumento do imposto único de circulação aos veículos matriculados até julho de 2007, que o Governo incluiu na proposta do Orçamento. E percebe-se porquê.
Apesar da tinta verde com que o Governo tentou pintar a medida, ela não tem impacto ambiental positivo. O aumento da receita do imposto não está consignado a nenhuma estratégia de reforço dos transportes públicos, à troca de veículos ou à redução do consumo de combustíveis fósseis e das emissões. Na realidade, a única relação entre o aumento do IUC e a política de transportes é o facto de os 80 milhões a mais na receita do imposto ser sensivelmente o que, na previsão do Governo, se perde de receita com a redução das portagens nas ex-SCUT. O efeito das duas medidas combinadas, admitindo que uma e outra estão relacionadas, não seria a redução de emissões ou da utilização do transporte individual, antes pelo contrário.
Mas a medida tem outros problemas. A transição energética não se faz penalizando os mais pobres através de impostos indiretos, que são os mais injustos. Pelo contrário, a justiça climática tem de andar a par com mais justiça social e com a alteração dos modos de produção. Enfeitar de retórica verde a gestão capitalista, mantendo a estrutura económica e a estrutura de desigualdades intocadas, não é uma estratégia de transição. Esta implica a criação de emprego relacionado com o clima (desde logo em transportes e energia limpa), indústrias inovadoras, melhoria da qualidade de vida, regulação dos sectores produtivos, redirecionamento dos recursos públicos.
Se queremos mesmo reduzir as emissões de gases com efeito de estufa e o consumo de combustíveis rodoviários, a única estratégia consistente é um investimento decidido nos transportes públicos que minimize o consumo de recursos naturais, que os eletrifique, torne eficientes e acessíveis a todas as pessoas. O aumento do IUC dá um contributo zero para isso.
E tem outro contra: o facto de ser regressivo e socialmente injusto. Quem tem carros mais antigos e não os troca por carros novos, geralmente é por não ter dinheiro para o fazer. A associação Zero sublinhou isto mesmo, na sua reação à proposta do Orçamento: “o IUC não deve ser socialmente regressivo, isto é, não deve penalizar cegamente os proprietários de automóveis com menores rendimentos.” Usar a proteção do ambiente como desculpa para criar mais impostos que penalizam os mais pobres é perverso e perigoso. Entre outras coisas, porque coloca uma parte da população, que aliás tende a sofrer mais os efeitos das alterações climáticas, contra a necessidade de transição climática.
Se queremos agir pelo clima, não precisamos de uma austeridade verde, mas de criar regras que combatam os grandes poluidores, nomeadamente industriais, que consigam de facto reduzir radicalmente a utilização de transporte individual, que canalizem recursos para a ferrovia, que taxem quem tem mais e quem consome produtos de luxo, também no campo dos transportes (os barcos privados, as aeronaves ou o carros que poluem mais não têm agravamento…).
O aumento do IUC não é, certamente, a questão principal do debate do Orçamento do Estado. Não adianta também, para tentar salvá-la, vestir a proposta de verde. Mais vale que caia já. Tira-se assim este aumento do caminho e passamos ao debate da política económica, social e fiscal que a proposta orçamental do Governo contém.
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