Opinião

Regressemos ao Ambiente

Regressemos ao Ambiente

José Matos Correia

Advogado, presidente do Conselho de Jurisdição Nacional do PSD

O caminho para o futuro, limpo e sustentável, que temos de construir, há-de resultar, em termos muito simples, de um “mix” de políticas: cortar nos combustíveis fósseis e aumentar o investimento em todos os aspectos relacionados com a produção de energia limpa. A fórmula é simples de enunciar. Mas difícil de concretizar

O Mundo continua um sítio perigoso. Diria até progressivamente mais perigoso. A guerra na Ucrânia arrasta-se, sem qualquer possibilidade de solução num horizonte próximo. O conflito assumido regressou ao Médio Oriente, na sequência do bárbaro ataque terrorista do Hamas. E pode escalar de forma significativa, se Israel, que tem pleno direito à legítima defesa, incorrer no erro de não se conter dentro dos limites a que as regras internacionais o obrigam. A China e a Rússia fortalecem, cada vez mais, uma aliança cujo objectivo último é subverter uma ordem internacional assente no Direito. E, infelizmente, a lista, infindável, poderia continuar.

Mas, por muito preocupantes que todos esses desenvolvimentos sejam, eles não podem desviar-nos de outros desafios dramáticos que afectam a Humanidade no seu conjunto. E o principal deles é, creio, o ambiental.

A Agência Internacional de Energia (AIE) é uma prestigiada organização, que conta com 31 Estados membros (e 13 associados) e cuja tarefa é coligir dados sobre energia a nível global, analisá-los e formular recomendações de políticas. A sua reputação é sólida e os documentos que produz fundados e credíveis.

Agora, deu à estampa o World Economic Outlook 2023. E, o mínimo que se pode dizer, é que a sua leitura sobe os níveis de alerta.

Podemos aí encontrar dados positivos e encorajadores. Desde 2020, o investimento em energia limpa aumentou 40%. Nesse mesmo ano, apenas 1 em cada 25 carros vendidos era eléctrico. Em 2023, a proporção subiu para mais de 1 em cada 5. Acima de 1 bilião de dólares americanos por dia está a ser despendido em implantação de projectos solares. Um recorde de mais de 500 gigawatts (GW) de capacidade de geração de energia renovável deverão ser implementados este ano.

Para termos uma noção da dimensão daquilo de que estamos a falar quanto a este último aspecto, basta notar que, no final de 2022, os Estados Unidos produziam 144 GW de energia eólica e 110 GW de energia solar fotovoltaica. Ou que 1 GW corresponde a 2.469 milhões de painéis solares comuns.

Notícias encorajadoras, portanto. Mas as informações menos positivas são, também, muitas.

Hoje, o aumento da temperatura face aos níveis pré-industriais já é de cerca de mais 1,2 graus centígrados. O que torna muito difícil (embora não inteiramente impossível, sublinha o relatório) atingir o limite de 1,5 graus centígrados de incremento, fixado como desejável no Acordo de Paris de 2015.

Por outro lado, a manter-se a tendência que tem vindo a ser seguida, o consumo de todos os combustíveis fósseis (carvão, petróleo, e gás natural) atingirá o pico em 2030. E, no caso dos últimos dois, nos cenários desenhados permanecerá a níveis muito elevados até 2050.

As consequências do aumento da temperatura global são de todos bem conhecidas, porque as estamos a viver no nosso dia-a-dia. Ondas de calor, fenómenos atmosféricos extremos, degelo, subida do nível da água do mar, extinção de espécies animais.

E, ainda segundo o relatório, o sector energético é o principal responsável pelo ar poluído que mais de 90% da população mundial é forçada a respirar. Estado de coisas que tem ligação directa a mais de seis milhões de mortes prematuras por ano.

O caminho para o futuro, limpo e sustentável, que temos de construir, há-de resultar, em termos muito simples, de um “mix” de políticas: cortar nos combustíveis fósseis e aumentar o investimento em todos os aspectos relacionados com a produção de energia limpa.

A fórmula é simples de enunciar. Mas difícil de concretizar. Porque os progressos no primeiro domínio são tímidos e no segundo, sendo relevantes, estão muito longe do necessário. Não porque se esteja a fazer pouco agora, mas porque se perdeu demasiado tempo no passado.

Desnecessário seria sublinhar que estamos perante uma tarefa hercúlea, que exige uma cooperação à escala global. Mas que impõe, também, uma actuação determinada por parte dos países mais importantes do Mundo, quer por serem, muitas vezes, dos que dão um contributo mais negativo em termos de poluição, quer pelo exemplo fundamental de liderança.

Ora, nalguns desses casos, os sinais não são suficientes (para não dizer que não são dos melhores).

Veja-se a China, que, nos últimos dez anos, representou, só por si, cerca de dois terços do aumento global de consumo de petróleo, de um terço no que respeita ao gás natural e que continua a ser um dos actores principais no mercado de carvão.

É certo que se prevê uma diminuição do seu consumo de combustíveis fósseis. Mas que está ligada, em larga medida, ao menor crescimento da sua economia. E se pretender inverter esse decréscimo? Poderá fazê-lo com base nas energias renováveis? Ou continuará a depender, fundamentalmente, daqueles?

Mas atente-se, também, no caso do Reino Unido. Pressionado pelos resultados, extremamente negativos, das sondagens, e pelas derrotas em eleições parciais, Rishi Sunak não arranjou melhor solução para promover a sua popularidade em queda do que cortar nas metas climáticas, adiando de 20230 para 2035 a proibição de venda de viaturas com motores a combustão interna ou abandonando medidas que visavam reduzir as emissões de gases com efeito de estufa (como o imposto sobre as viagens de avião ou sobre o consumo de carne de bovinos).

Tudo com o pressuposto, errado, de que é possível fazer a transição energética sem impor dificuldades e sacrifícios. E, manifestamente, já não é. Ao menos se quisermos recuperar o tempo perdido.

Em Novembro de 2021, e na sequência da reunião da COP 26, publiquei aqui um artigo em que considerei que os resultados da mesma podiam ser vistos como um copo meio cheio ou um copo meio vazio. Tudo dependeria da evolução que viesse a registar-se, fruto das políticas públicas que fossem postas em prática.

Dois anos decorridos, desgraçadamente, temo que a leitura realista tenda mais para o copo meio vazio.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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