Opinião

O Orçamento da pós-verdade

A única verdade é que, com este Orçamento e após oito anos de Governo, a população nacional diminui, perde rendimento face aos outros parceiros da União Europeia, o país desce nos índices internacionais de competitividade fiscal, tornando-se menos atrativo para o investimento estrangeiro, e, mais grave, temos piores serviços públicos para quem deles mais necessita, os pobres

É um lugar-comum dizer que vivemos na era da pós-verdade, no tempo dos factos alternativos, das fake news, da distorção da realidade, para coincidir com a interpretação mais conveniente. A verdade é o que cada um quiser. E também é um truísmo afirmar que esse é o novo paradigma que alimenta toda a espécie de populismos.

O que não será tão expectável é que essa seja a forma de atuar do governo português aquando da apresentação do orçamento de Estado para 2024.

Estranho? Incompreensível? Mas como é possível?

Sim, é possível! Este é um orçamento da pós-verdade, da realidade alternativa, apresentado para iludir os portugueses. Um orçamento que não é o resultado extraordinário de um qualquer mago das finanças públicas, mas sim um verdadeiro truque de ilusionismo político. Apenas três exemplos:

Este é o orçamento em que a dívida pública desce. Mentira: temos a maior dívida pública de sempre. Era de 219 mil milhões de euros em 2015 será de 312 mil milhões de euros em 2024.

Este é o orçamento em que descem os impostos. Mentira: este é o orçamento em que temos o maior valor de impostos de sempre. Eram 45 mil milhões em 2015, serão 60 mil milhões em 2024.

Este é um orçamento de rigor e contenção. Mentira: este é o orçamento em que temos a maior despesa pública de sempre. Era de 85 mil milhões em 2015, será de 124 mil milhões em 2024.

Mas como é possível apresentar um orçamento como o melhor de sempre e afinal a verdade ser outra?

Simples… com a manipulação dos factos, a tal pós-verdade de que se acusam a extrema-direita e a extrema-esquerda, o Trump, o Orban, o Putin e companhia. A técnica é a mesma. Enviam-se umas apresentações bem formatadas a uns quantos jornalistas pouco preparados e sem independência de escrutínio que, por sua vez, difundem a verdade oficial, com os factos alternativos.

Nestas apresentações, usa-se o rácio do PIB para anunciar uma histórica descida da dívida, destacam-se apenas os impostos que têm descida, omitindo todos os que têm subida, dão-se números de investimento que nunca chega a ser executado, como tem acontecido nos anos anteriores e todos pensamos que estamos no melhor dos mundos possíveis.

Tudo isto, quando nunca tivemos tanto dinheiro disponível a chegar da União Europeia, quer através do PRR, quer do Portugal 2030, fundos que o governo opta por usar, disfarçadamente, quer no pagamento de despesa corrente, quer em investimentos não produtivos, desperdiçando, assim, a nossa última grande oportunidade de alavancar uma estratégia para o país que aumente, no médio e longo prazo, a riqueza nacional.

A única verdade é que, com este orçamento e após oito anos de governo, a população nacional diminui, perde rendimento face aos outros parceiros da União Europeia, o país desce nos índices internacionais de competitividade fiscal, tornando-se menos atrativo para o investimento estrangeiro, e, mais grave, temos piores serviços públicos para quem deles mais necessita, os pobres.

É isto que significa governar a pensar nas pessoas, mas apenas na melhor maneira de as iludir. Só que, até na política deve existir ética, sob pena do exercício do poder se transformar em mera ambição e pura vaidade.

Em suma, e embora custe afirmá-lo face ao clima severo que se vive nas redes sociais, onde toda a ideia contraintuitiva, ainda que baseada em factos, é rapidamente cilindrada no espaço público, esta é a realidade nua e crua: em plena democracia, num país ocidental, com um governo que se diz de esquerda, temos a apresentação de um orçamento que fomenta a pós-verdade, alimenta os factos alternativos e, por essa via populista, procura continuar a seduzir os portugueses.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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