Foram, finalmente, publicados os estatutos da direção executiva do SNS (DE-SNS). Eram aguardados há um ano! Coincidência, ou talvez não, são publicados na semana em que se ouvem rumores duma eventual demissão do atual diretor executivo, Prof. Doutor Fernando Araújo, em que o Presidente da República dá um “ralhete” ao Governo pelo que se passa com a Saúde dos portugueses e em que o estado dos serviços de urgência do SNS atinge um ponto critico. Talvez por essa “pressão” (e não certamente por falta de tempo!), a portaria em apreço sai cheia de erros, imprecisões e trapalhices. Verdadeiramente, a montanha pariu um rato!
Começa por assumir que ainda há uma certa confusão de competências e responsabilidades entre algumas (importantes) instituições do Ministério da Saúde, nomeadamente com a Administração Central dos Sistema de Saúde, I. P (ACSS) e com os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, E. P. E (SPMS), mas atira para um “futuro próximo” a introdução das necessárias alterações orgânicas a essas entidades, que se impõem como prioritárias, sob pena de ninguém se entender (hoje!). Depois continua, ainda no preâmbulo do diploma, a reconhecer que haverá necessidade de integração de funções das Administrações Regionais de Saúde, I. P (ARS) mas desconhece ainda se será na DE-SNS ou nas futuras Unidades Locais de Saúde (ULS). Será, seguramente, numa ou noutra (já não é mau!), mas a desarticulação está para já garantida.
No entanto, apesar de não referido no início deste diploma, no que toca às diversas competências dos diferentes departamentos e serviços, verificamos que esta nova estrutura “usurpa”, e em alguns casos praticamente esvazia, competências habitualmente conferidas a outras instituições, além da ACSS, dos SPMS, já mencionados, e das ARS (que “aniquila”), nomeadamente da Inspeção Geral de Atividades em Saúde (IGAS), da Direção Geral da Saúde (DGS, e não DGSGS) e da Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I. P. (INFARMED). O uso entediante e até abusivo das expressões “em articulação com” e “sem prejuízo das competências de” não irá ser suficiente para acalmar algumas inquietações, nem definir as infindáveis áreas cinzentas de sobreposição de competências agora criadas. É obviamente gerador de apreensão e confusão e, certamente, de ineficiência. Tudo aquilo que não precisamos. Uma trapalhada!
Mas vai mais longe: cria mesmo um departamento (“Departamento de Gestão da Qualidade em Saúde e Segurança do Utente”) exatamente igual ao “Departamento da Qualidade”, já existente na DGS desde 2009.
Numa aparente ânsia de tudo abarcar e de falta de uma estratégia clara, cria um “Departamento de Gestão da Doença Crónica”, mas cujas competências são todas dirigidas à promoção de uma vida saudável e à prevenção da doença. Não contestamos a necessidade de priorizar estas áreas, mas não nestes termos tão reduzidos, pois importa não ignorar os milhares de doentes crónicos já existentes, e dar-lhes respostas efetivas, para prevenir e tratar o seu sofrimento.
Finalmente, acontece algo que será inédito e eventualmente autocrático: esta estrutura terá 43 unidades orgânicas, das quais 28 (65%!) serão criadas (ou anuladas) por mero despacho do Diretor Executivo, publicado em Diário da República. Esperemos, pelo menos, que exista transparência no processo de seleção destes 43 dirigentes, com concursos públicos e em que a meritocracia se imponha, e não através de “convites”, cujos contornos carecem de clarificação.
Em resumo, depois de tanta expectativa e premência, temos uma portaria que chega atrasada, provavelmente publicada sob pressão, com enormes áreas de conflituosidade de competências entre diversas instituições de saúde, que anula ou apouca outras tantas importantes e com inúmeras provas dadas, e que acarreta um enorme risco de centralização do poder numa única entidade (pessoa?). Para além disso, parece passar ao lado dos enormes problemas que vivem os profissionais de saúde e todos os utentes do SNS.
Não nos parece que seja daqui que sairá a tão necessária solução que o SNS precisava. Há demasiada imprecisão, e não se adivinha efetiva capacidade de execução.
Não é certamente isto que os portugueses esperavam, muito menos o que merecem.