Em 2006, o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (PGR), emitiu um parecer, estabelecendo que as barragens devem pagar IMI, e que não são bens do domínio público. Esse parecer foi homologado, publicitado e neste conspecto é vinculativo para todos os serviços do Estado, pelo que todos estão obrigados a aplicá-lo.
Em dezembro de 2015, a atual diretora geral da AT deu ordens internas para que esse parecer fosse aplicado e fosse liquidado IMI sobre todas as barragens.
Menos de 6 meses depois, a mesma diretora geral mudou de opinião e mandou suspender e anular todas as liquidações do IMI sobre as barragens, estabelecendo um entendimento de que as barragens não estão sujeitas ao IMI. Como é evidente, este entendimento viola o parecer da PGR, e viola a vinculação legal dos serviços do Estado a esse parecer.
Esta mudança de opinião radical é estranha, porque ocorreu poucos meses depois de a EDP ter impugnado as primeiras liquidações do IMI feitas pela AT, e antes de o tribunal arbitral ter decidido essa impugnação.
Numa declaração proferida numa audição parlamentar, a diretora-geral da AT informou que essa mudança de opinião resultou das decisões dos tribunais. Essa afirmação foi desmentida pelo presidente dos tribunais arbitrais, que informou que o que aconteceu foi exatamente o contrário, ou seja, que a decisão do Tribunal Arbitral seguiu a mudança de entendimento da AT.
Como estas afirmações não foram desmentidas, temos de concluir que a diretora-geral mentiu no Parlamento.
A diretora geral informou também que a mudança de entendimento se sustentou na informação da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), de que as barragens são bens do domínio público, contrariando expressamente o parecer da PGR, a que a APA e a AT estão vinculadas.
Eu próprio, em nome do município de Miranda do Douro, requeri à AT que fizesse a liquidação do IMI sobre as barragens, invocando a ilegalidade da mudança de entendimento da AT e a aplicação da doutrina constante do parecer vinculativo da PGR. A AT indeferiu este requerimento, violando, mais uma vez, a sua obrigação legal de vinculação àquele parecer da PGR, mas, principalmente, violando a lei que é muito clara na sujeição das barragens ao IMI.
Em 3 de fevereiro do ano corrente, o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (SEAF) exarou um despacho concludente, determinando expressamente à AT, que cumprisse 4 ordens: i) que liquidasse e cobrasse o IMI sobre as barragens, ii) que cumprisse de imediato o parecer da PGR e que iii) revogasse as instruções de 2016, substituindo-as por outras que cumprissem o parecer da PGR, iv) Que a AT não depende em nada da APA par cobrar o IMI, e que tem poderes próprios de investigação, inclusivamente criminais, para liquidar o imposto sem depender de terceiros.
A diretora geral da AT não cumpriu nenhuma dessas ordens do governo e do Secretário de Estado que a tutelam. Sabe-se agora que, 6 meses depois, o SEAF se viu obrigado a emitir um segundo despacho, ordenando, de novo, à diretora geral da AT, que cumprisse o primeiro despacho.
Mais de 1 mês depois deste segundo despacho, e 3 meses antes de caducar o direito à liquidação do IMI de 2019, a AT emitiu instruções sobre o modo de avaliação das barragens.
Essas instruções têm graves ilegalidades, das quais resulta que o valor das barragens que servirá de base para o pagamento do IMI, ficará cerca de 2/3 abaixo do seu valor real.
O estranho comportamento da AT que todos estes factos revelam é adensado por outras estranhas mudanças dos entendimentos da mesma AT sobre a sujeição do negócio das barragens ao Imposto do Selo. Também neste domínio, o entendimento inicial era da sua sujeição ao imposto, mas esse entendimento foi alterado para outro no sentido exatamente contrário, e para um terceiro no sentido de que poderia haver sujeição e também poderia não haver, um ziguezaguear estonteante.
O que nos querem dizer todos estes factos acerca do comportamento da diretora-geral da AT? Todos eles têm duas características em comum. Primeiro, a sua ilegalidade, ao ponto de o SEAF se ter sentido obrigado a vir duas vezes mandar aplicar a lei. Segundo, há sempre um beneficiário sistemático de todas estas ilegalidades, que é a EDP, e uma vítima prejudicada, que são as populações, que são os verdadeiros credores destes impostos, e que nada recebem.
Deixo a resposta acerca do que nos revelam estes factos para os meus leitores. Porém, quem representa as populações são os seus municípios, que são o sujeito ativo destes impostos. É para eles que a AT trabalha, cabendo-lhe garantir a efetividade dos seus direitos de cobrança destes impostos.
A AT está para os municípios, relativamente aos impostos municipais que cobra, como está para o Ministério das Finanças que a tutela, relativamente aos impostos estaduais.
Entre os municípios e a AT tem de existir uma relação de confiança e de colaboração mútua, igual à que existe entre ela e o Ministério das Finanças.
Essa relação de confiança com os municípios, e falo pelo de Miranda do Douro, está destruída pela sucessão de ilegalidades que os factos anteriores revelam e pela sua gravidade. Essa relação de confiança tem de ser urgentemente restabelecida, o que não será possível com uma diretora geral que violou sistematicamente a lei e as instruções da tutela, em prejuízo dos municípios e dos seus munícipes, e que sempre se recusou a trabalhar em colaboração com eles.
Mas todos estes acontecimentos necessitam, também, de ser muito bem investigados.
Os interesses do Povo não podem ser desprezados deste modo, por muito fortes e sedutores que sejam os lobbies e os interesses privados.
Vítor Bernardo é vereador da Câmara Municipal de Miranda do Douro