Opinião

O clímax(imo) das zero ideias

O clímax(imo) das zero ideias

Bruno Soares Gonçalves

Presidente do Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear do Instituto Superior Técnico

Podemos descarbonizar a electricidade (mas a solução não é 100% renováveis). E o resto? Acreditar que podemos viver, no futuro próximo, sem combustíveis fósseis não poderia estar mais desligado da realidade

Que amargo destino, o dos jovens ambientalistas, angustiados com o futuro do mundo e justiça climática e no entanto atolados num conjunto de ideias impraticáveis e sem sustentabilidade intelectual. E falo de angústia porque esta e a ansiedade em que vivem notam-se quando intervém na televisão. Não tenho dúvida que para eles, nas suas certezas, o fim do mundo está ao virar da esquina, e que estão convictos da causa pela qual lutam.

O que estes jovens, à partida, pretendem 'parece' profundamente justo, desejável - como, por exemplo, electricidade 100% renovável e acessível até 2025. Porém, não só eles estão, fundamentalmente, mal informados (ou foi-lhes dada formação, ou informação deficiente ou incompleta), ou, pior: foram simplesmente 'endoutrinados' e/ou estão a ser meramente manipulados/enganados na sua ('generosa') boa intenção. A distinção entre ecologistas e eco-radicais desvanece-se à medida que as reivindicações vão perdendo a aderência à realidade.

A meta de electricidade 100% renovável é uma miragem. À medida que a penetração de renováveis na rede aumenta, crescem drasticamente os custos de sistema devido aos custos indirectos da produção, que podem incluir externalidades ambientais ou requisitos de atualização da rede, armazenamento e o custo adicional da integração de fontes de energia não-despacháveis na rede e a manutenção da estabilidade da rede. E quando não há sol, vento ou a seca se prolonga reduzindo a hídrica? Como pensam que será mantida a reserva de produção para assegurar a continuidade de fornecimento? Já lhes ocorreu lutarem por electricidade 100% descarbonizada? Estaria mais próxima duma realidade exequível (ainda que a meta de 2025 continuasse a ser bastante irrealista).

Podemos descarbonizar a electricidade (mas a solução não é 100% renováveis). E o resto? Acreditar que podemos viver, no futuro próximo, sem combustíveis fósseis não poderia estar mais desligado da realidade. Quatro materiais ocupam o lugar mais alto na escala da necessidade, formando, o que Vaclav Smill denominou com os quatro pilares da civilização moderna - o cimento, o aço, os plásticos e o amoníaco – porque são necessários em maiores quantidades do que outros materiais essenciais. Estes quatro materiais, diferentes nas suas propriedades e qualidades, partilham três características comuns: não são facilmente substituíveis por outros materiais num futuro próximo ou à escala global; a procura irá aumentar; e a sua produção em grande escala depende fortemente da combustão de combustíveis fósseis. E ainda que comecem a aparecer alternativas para a sua produção (existe por exemplo um Roteiro para a descarbonização da indústria dos plásticos, promovido pela associação que representa empresa nesta área), a sua penetração poderá ser progressiva mas lenta, e os combustíveis fósseis continuam e continuarão a ser essenciais para muitos sectores de actividade. Em Portugal, carvão, petróleo e gás natural representaram, em 2021, 64,4% do consumo total de energia primária (DGEG). Embora seja verdade que podemos em algumas áreas procurar reduzir a necessidade de queimar combustíveis fósseis estes materiais fósseis não vão, nem poderão ser abandonados "de hoje para amanhã" - apesar da muita tinta vertida em torno do assunto.

A perda de noção da realidade associada ao que estes grupos climáticos pedem não é surpreendente. Todos os dias existem nos média imensas notícias sobre energia que vão desde a sobre-valorização da capacidade instalada de renováveis até à capacidade destas de suprirem as necessidades nacionais. Notícias onde números convenientemente mirabolantes dão uma visão mágica, mas redutora da realidade onde as nuances e subtilezas escondidas, não estão acessíveis aos mais incautos que facilmente aceitarão como verdadeiro muito do que é afirmado. Números enganadores, enviesados ou estatisticamente hiperbolizados, ou factualmente correctos mas que omitem partes inconvenientes da realidade, são frequentemente acompanhados por apelos à acção para radicalizar jovens para a causa das renováveis. São campanhas que sabem bem capitalizar na ausência de literacia energética, mantendo a discussão centrada nas renováveis, no hidrogénio verde e nos veículos eléctricos - a solução para tudo, com uma patina de santíssima trindade.

Todos os decisores políticos e jovens ambientalistas repetem ad nauseam as mesmas frases feitas. São como ovelhas, pastando todas no mesmo prado. Mas nestas muitas acções de jovens activistas (para não usar o termo mais correcto de eco-terroristas), onde estão os dirigentes das organizações que os acolhem, aqueles que do alto do seu pedestal ideológico enviam miúdos para fazer o trabalho sujo? Decisores políticos capitalizam nos voluntarismos de amadores nas redes sociais para justificar decisões técnicas, e das acções de rua para cativar atenção, não sendo muitas vezes claro quem está a guiar e a tentar influenciar decisões. Os financiamentos destas organizações têm sido sujeitos a escrutínio? Quem se move nas sombras da influência? Sabendo que estas acções não tem adesão à realidade qual o objectivo que lhes está subjacente?

Transição Energética e Descarbonização ninguém ousa sequer contestar enquanto 'metas' a atingir, para a própria sobrevivência da Humanidade. Mas electricidade 100% renovável e acessível e os combustíveis fósseis (e a sua dependência, ainda que em redução gradual) não acontecerá amanhã, nem em 2035. Não porque não se queira, não por falta de maior ou menor vontade política. Mas porque simplesmente é uma impossibilidade tecnológica no estado actual do conhecimento. Climáctico seria debater seriamente soluções realistas para a meta de 100% descarbonização do país.

Bruno Soares Gonçalves escreve segundo a antiga ortografia

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