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Opinião

O dia em que enterrei um cão como se fosse uma pessoa

O “Gravatinha” era meu amigo e falávamos através da linguagem escondida, o toque, o olhar, o tom de voz. Mas era um cão

Eis o cortejo fúnebre daquela tarde: a minha avó, com a tuberculose nos pulmões e a “Chica”, a pomba amestrada, no ombro; o meu primo Cláudio, que levava o corpo talvez num carinho de mão, a carreta possível; e eu, que levava a pá das obras que usámos para escavar a sepultura do “Gravatinha”, o meu primeiro cão que tinha uma habilidade felina para subir às árvores. Mas, na verdade, não era meu, não era de ninguém, não era propriedade privada, andava com a minha avó, com os meus tios, com os meus primos, comigo. Não havia essa coisa burguesa e citadina do “meu cão”. Era obviamente um rafeiro; também não tínhamos este culto absurdo das raças, Ai, o meu cão é um boxer, ai, o meu cão é não sei quê! Se desprezamos a pureza de raça no homem, vendo aí eugenia e racismo, porque é que os urbanistas de hoje estimam tanto a pureza de raça dos cães? Porque é que falam de raças de cães como se fossem marcas de carros? Também não tínhamos esse hábito burguês e desumanizador (sim, desumanizador) que é de dar nomes de pessoas aos bichos. O nome de um cão tem de ser uma alcunha. O nosso cão era o “Gravatinha”, porque tinha uma risca branca que fazia lembrar uma gravata numa pelagem totalmente preta.

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