
Há por aí alguém que tenha outro rumo, outra bússola e melhor timoneiro para conduzir esta nau das lamentações?
Há por aí alguém que tenha outro rumo, outra bússola e melhor timoneiro para conduzir esta nau das lamentações?
Em “Um Dia na Vida de Ivan Denissovitch” nada sucedia de diferente: frio glaciar, fome, noites mal dormidas, jornadas de 12 horas de trabalhos forçados no gulag soviético. Mas não havia espaço para lamentações, pois que a pena pelo descontentamento manifesto não era menos do que a morte. Resistindo fisicamente e em silêncio como um dos condenados políticos, Aleksandr Soljenítsin haveria de escrever mais tarde este livro e, sobretudo e “de coração apertado” pelos que tinham morrido nos campos, os três volumes do “Arquipélago Gulag” — um testemunho literário e factual arrasador sobre o “paraíso na terra.
Totalmente a despropósito, confesso, lembrei-me disto apenas a propósito do título do livro: neste nosso tão cantado “Portugal de Abril”, em cada dia que passa, parece que nada acontece de diferente — e já lá vão 50 anos. Em cada um destes anos e em cada dia destes anos, há sempre portugueses — nas ruas, nas esquinas, nos cafés, nos empregos — a lamentar a sua sorte e a do país. Não sei se são a maioria, mas pela atenção que conseguem atrair e pelas atenções e importância que todos lhes prestam, assim parece — ao ponto de os seus estados de alma se confundirem com o sentimento profundo da nação. Diariamente, os jornais televisivos trazem-nos o retrato de um país cansado, zangado, frustrado nas suas expectativas, sempre revoltado com quem nos governa, desconfiado do próximo, sem horizonte, sem esperança, triste e acabrunhado. Se os dinamarqueses são o povo mais feliz do mundo, os portugueses serão, se não os mais infelizes, pelo menos os mais lamurientos, os mais inconformados com a sua sorte. E, todavia, se, fazendo contas, será fácil deduzir que os dinamarqueses, via UE, já terão contribuído com muitos milhões para minimizar a nossa tristeza, também sou capaz de pensar em muitas outras razões pelas quais eles nos poderão invejar. Talvez, para irmos ao fundo das razões do nosso mal-estar endémico, devêssemos começar por enviar alguns dos nossos profissionais do descontentamento à Dinamarca para ver se entendem porque é que eles são tão estupidamente felizes: por exemplo, aqueles profetas da desgraça que todos os finais de Verão emergem de novo à superfície, esses sim, felizes da vida, para nos anunciar que as escolas não vão abrir, os hospitais não vão atender doentes e os tribunais vão continuar a não funcionar.
Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt